A CRISE DO ESTADO-NAÇÃO E SEU REBATIMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS -https://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIV/eixos/1_Mundializacao/a-crise-do-estado-nacao-e-seu-rebatimento-nas-politicas-publicas.pdf
Globalização e crise do Estado-Nação : https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/753/618
Globalização e cosmopolitismo: do Estado-Nação à Cidade-Estado. Novos paradigmas do estado latino-americano - https://www.funag.gov.br/ipri/btd/index.php/9-teses/943-globalizacao-e-cosmopolitismo-do-estado-nacao-a-cidade-estado-novos-paradigmas-do-estado-latino-americano
A resiliência do Estado Nacional diante da globalização - https://www.scielo.br/j/ea/a/4jpLDCyykYccjPvytwr5m4z/?format=pdf&lang=pt
O enfraqucimento do estado nação na globalização = https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/473/Fagundes_Jeferson_Mandracio.pdf?sequence=1&isAllowed=y
O que fazer com o militar - https://aterraeredonda.com.br/o-que-fazer-com-o-militar/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2023-11-11
Capitalismo e democracia, uma revisão do debate
novembro 11, 2023
As linhas que se seguem não tratam, imediatamente, de alguma questão municipal. Seu propósito é quitar um débito, já antigo, do autor consigo mesmo quanto a assentar algumas conclusões sobre as relações entre capitalismo e democracia. A intenção é dar às minhas elaborações futuras uma base teórica desprovida de questões mal resolvidas, coerente, sistemática e, por consequência, com alguma capacidade preditiva ou, pelo menos, certa tranquilidade de espírito na apreciação dos eventos que o futuro reserva.
Ainda assim, não obstante o sentido claramente individualista da empreitada, acredito que essas conclusões podem ter utilidade para orientar algum projeto programático que contemple políticas democratizantes. Neste sentido, espero eu, trata-se de um artigo que pode ter algum interesse geral. Aos que se dispuserem, boa leitura.
Capitalismo e democracia – origens
A democracia, como sabemos é anterior ao capitalismo. Foi inventada em Atenas, na Grécia clássica, durante o governo de Clístenes, por volta do século VI (Antes de Cristo). Entretanto, esta modalidade de governo não vingou nos séculos seguintes quando, em todo o mundo então conhecido, ocorreu um amplo processo de concentração do poder político que culminou com o advento dos Estados absolutistas — nos quais havia um único soberano plenipotenciário: o rei.
O capitalismo, por sua vez, surge na Europa medieval entre os séculos XII e XI (conforme a abordagem), já na era Cristã. Nesta origem, trata-se apenas de uma forma de comércio de bens e serviços em franca expansão e, na qual, o preço do item em pauta é definido por livre negociação entre fornecedores e compradores.
Muito cedo, esta modalidade de comércio se chocou com a ordem feudal então vigente, marcada pela fragmentação do poder político entre uma miríade de nobres mandatários de territórios autônomos, quase sempre rivais entre si e cada qual com sua moeda e seu sistema de leis. Acrescente-se a insegurança dos territórios, sempre assaltados por guerras e prolongadas revoltas camponesas.
O desejo da burguesia nascente era, por assim dizer, por ordem na casa. Queriam que fossem eliminadas ou reduzidas as barreiras alfandegárias entre as cidades-estado, maior uniformidade das leis tributárias e das normas judiciárias quanto aos direitos civis e certa padronização dos sistemas de pesos, medidas e moedas. Com base nesta plataforma, aqui descrita em linhas muito gerais, os burgueses se dispuseram a apoiar o fortalecimento de uma autoridade central que unificasse e uniformizasse todos esses procedimentos e, por conseqüência, financiaram a concentração do poder político, militar e econômico na figura dos reis.
Esta é a história da crise terminal do feudalismo, do surgimento do Absolutismo Monárquico, dos Estados Nacionais e do mercantilismo — prática econômica vigente na Europa entre os séculos XV e XVIII, fundamental para que a burguesia se tornasse a classe social economicamente mais importante naquele período e que está na transição do feudalismo para o capitalismo como modo de produção dominante.
Entretanto, o Absolutismo também apresentava problemas. Os burgueses se ressentiam do nível de arbitrariedade e de ingerência que a Corte absolutista podia impor sobre o mundo dos negócios capitalistas. A frase “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi” (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!, em tradução livre), usualmente atribuída a Luís XIV, rei da França e Navarra desde 1643 até sua morte, conhecido como Rei-Sol, é expressiva do nível de centralização do poder a que o Absolutismo podia chegar, com o rei chamando para si a máxima autoridade sobre todos e quaisquer assuntos do reino, fossem de ordem pública, fossem de ordem privada.
Faltavam neste ambiente, a necessária segurança jurídica para a proteção dos contratos e, ao mesmo tempo, abundavam abusos contra as liberdades civis. Este é um dos motivos da popularidade do Iluminismo — movimento intelectual que no século XVIII denunciou o obscurantismo religioso e os abusos do Absolutismo Monárquico que beneficiava uma elite minúscula (na comparação com o tamanho do restante da população), formada pelo Clero e pela aristocracia privilegiada em detrimento do “Terceiro Estado”, a começar pela burguesia, tida como “a” classe produtora.
Nestas circunstâncias, a grande demanda dos burgueses passou a ser a adoção de um regime político não arbitrário que garantisse a validade dos contratos, a existência de uma justiça comum à qual fosse possível o acesso e o respeito tanto aos direitos de propriedade quanto as liberdades individuais, condição para que cada proprietário pudesse decidir quando, onde e no que investir seu capital, conforme sua conveniência. O rei, de velho amigo, passou a ser um adversário a ser batido.
Entre 1640 e 1850 na Europa, as chamadas “revoluções burguesas”, particularmente a Revolução Puritana (1640 a 1660), na Inglaterra, e a Revolução Francesa (1789 a 1799), apearam aristocracia e o clero do poder, colocando a burguesia em seu lugar. O mundo antigo ruiu, abrindo as portas para a expansão das relações capitalistas de produção. Os direitos de nascimento foram substituídos pela igualdade perante a lei. Foram conquistadas a liberdade de imprensa, de expressão e de crença. Os tribunais passaram a ser instituições públicas com o precípuo propósito de salvaguardar os direitos civis. Nascia assim o estado liberal de direito. Mas, como registra o professor Bresser Pereira, não necessariamente, o estado democrático de direitos.
A esse respeito é importante esclarecer que a democracia nunca gozou de boa reputação entre os intelectuais e “think tanks” das classes dominantes em qualquer época. Inclusive na velha Grécia, onde foi criada, era vista como uma espécie de mal menor frente as opções da tirania e da anarquia. Autores como Sócrates e Platão, declaradamente elitistas, abominavam esta forma de governo e, mesmo Aristóteles, sabidamente mais moderado, não olhava sem reservas para o “governo do povo”. (1)
Por volta da primeira metade o século XIX, era praticamente consensual entre a intelectualidade que o sufrágio universal conduziria à anarquia social e que conceder liberdades políticas aos pobres seria como apontar uma arma para a cabeça da propriedade privada. Pensavam assim James Madison, Tomas Macaulay, Locke, David Ricardo, Benjamin Constant, Montesquieu e dezenas de outros. A única exceção naquele período seria, conforme o depoimento de Adam Przeworski, James Mill “que desafiou seus contemporâneos a produzirem um único exemplo, apenas um exemplo, da primeira página da história até a última, da população de qualquer país que tenha mostrado hostilidade para com as leis gerais da propriedade, ou manifestado o desejo de subvertê-la”. (2)
Numa outra perspectiva, mais à esquerda, e embora o Manifesto Comunista houvesse proclamado a luta pelo direito de voto universal como uma prioridade para os movimentos operários(3), Karl Marx era, na verdade, descrente quanto à viabilidade da democracia como uma forma de governo sustentável a longo prazo (e, por isso, a necessidade e a inevitabilidade da revolução socialista).
Marx percebe que o capitalismo, ao libertar os burgueses das restrições impostas pelo Absolutismo, havia, simultaneamente, emancipado toda a população (nobres e plebeus, ricos e pobres) das velhas obrigações feudais. Com a abolição formal do servilismo e da escravidão, restava apenas a subordinação econômica e contratual entre contratantes e contratados (patrões e empregados), doravante estabelecidos como partes livres, autônomas e independentes, sem obrigações outras de uns para com os outros senão aquelas contratualmente dispostas.
Em outras palavras, ainda que tivessem sido mínimas, precárias e altamente onerosas no passado, a proteção e segurança oferecidas pelos “senhores” haviam deixado de existir. Os trabalhadores não teriam outra saída a não ser se organizar e irem à luta para proteger seus interesses contra as amplas liberdades asseguradas pela lei aos proprietários dos meios de produção. Ou seja, a economia de mercado havia liberado uma nova e poderosa força sócio-histórica cujos interesses eram, por definição, antagônicos aos da burguesia e, por isso mesmo, representam uma potencial ameaça ao capitalismo.(4) Com base na observação dos eventos que sacudiram a Europa ao final da primeira metade do século XIX, Marx conclui que a burguesia se colocaria contra a democracia e recorreria à medidas de força bruta e violência sempre que se sentisse incapaz de controlar, politicamente, os trabalhadores e os pobres. (5)
Marx não estava exatamente errado, mas, também, não estava exatamente certo.
Levou tempo, muita luta e muito derramamento de sangue, mas, a partir do século XX, a democracia se tornou a forma de governo preferencial na maioria dos países de Europa e das Américas, na maior parte do tempo. O direito ao voto foi amplamente democratizado contemplando, inclusive, as mulheres. Já ao final do século XIX, em toda parte, os trabalhadores se organizavam em partidos e sindicatos. Essas organizações reuniam milhões de pessoas e alcançavam êxitos espetaculares. No texto que ficou conhecido como seu “Testamento”, Friedrich Engels exaltou essas conquistas e as vantagens da democracia com evidente entusiasmo. A agitação eleitoral, escreveu, é “um meio inigualável para entrar em contacto com as massas populares onde elas ainda estão afastadas de nós, para obrigar todos os partidos a defender diante do povo suas opiniões; ademais abriu a nossos representantes no Reichstag uma tribuna do alto da qual podem falar não apenas a seus adversários no Parlamento, mas também às massas do lado de fora com maior autoridade e maior liberdade que na imprensa e nas reuniões”.(6)
Ao sepultar as relações feudais de produção, o capitalismo criou as condições para que movimentos democratizantes emergissem e se impusessem na competição pela apropriação da riqueza socialmente produzida. A burguesia, desde o início, temeu esse movimento. Sempre que se sentiu incapaz de controlá-lo e receosa de suas consequências, acovardou-se e recuou de seus ímpetos revolucionários, preferindo mil vezes uma monarquia constitucional e até o retorno ao Absolutismo à democracia parlamentar, como ficou evidente nos grandes levantes em vários países da Europa durante a chamada “Primavera dos Povos”.
Assim, se é correto afirmar que o capitalismo criou as condições históricas objetivas para a existência da democracia moderna, a realização factual desta possibilidade se deve, principalmente, à luta dos trabalhadores, do povo pobre e das mulheres.
Digo principalmente porque esta conclusão precisa ser matizada no seguinte sentido: a democracia não foi imposta unilateralmente à burguesia e, além das lutas operarias e populares, outros fatores participaram do avanço democrático na primeira metade do século XX. É disto que tratarei na próxima seção.
A era de ouro do capitalismo… e da democracia
Além da obstinação das classes trabalhadoras, decididas a conquistar um lugar ao sol no novo mundo capitalista, o retorno dos ideais democráticos à cena política no curso do séculos XIX e XX, de onde foram afastados há mais de mil anos, se deve a certa tomada de consciência por parte das elites quanto às consequências nefastas da competição sem freios entre os agentes econômicos.
Três eventos de proporções apocalípticas contribuíram para essa “conscientização”: a Primeira Guerra Mundial, a “Grande Depressão” de 1929 e a Segunda Grande Guerra. Ao explicitarem as nefastas e possíveis consequências da competição sem freios entre os agentes econômicos, esses eventos representaram o colapso do liberalismo. A burguesia viu-se condenada a concordar com a necessidade da adoção de alguma forma de regulamentação das atividades econômicas, tanto dentro de cada país quanto entre as nações.
Assim, foi criada a Liga das Nações em 1919, que viria a ser substituída pela ONU em 1945, e o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento(BIRD), mais conhecido como Banco Mundial, na Conferência de Bretton Woods, em 1944.
Em segundo lugar, conforme sugerem alguns autores, o fenômeno da democratização dos governos no mundo ocidental, se deveria a uma certa “desradicalização” da classe trabalhadora. Nas palavras de Adam Przeworski, “preocupados com seu bem-estar material futuro, os trabalhadores precisam restringir suas demandas, de modo a induzir os capitalistas a investirem” (7).
Embora pertinente, essa preocupação com o futuro não explica tudo.
O abrandamento da radicalização típica do século XIX se deve, em primeiro lugar, ao acirramento da competição entre os próprios trabalhadores. Uma característica estrutural do capitalismo é a tendência à particularização da demanda e, por consequência, à fragmentação dos processos sociais. Com isso, diversas organizações (partidos, cooperativas, clubes, etc.) passaram a disputar as preferências dos trabalhadores criando uma inevitável tensão ente os interesses gerais da classe e os interesses particulares de grupos, categorias e até de indivíduos, tornando mais difícil a articulação de alguma ação unificada.
Outro problema significativo, é a autonomização da representação em relação aos representados. O trabalho parlamentar é realizado por indivíduos que, para isso, recebem uma delegação. As demandas deste trabalho requerem um aparelho permanente, uma burocracia assalariada, e implica ritos e dinâmicas de convivência que, com o tempo, levam a uma rotinização que pouco tem a ver com a vivência da maioria dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Trata-se do fenômeno que Roberto Michels chamou de “burocratização” ou “aburguesamento” do movimento socialista (8).
Finalmente, há que se considerar o aumento gradativo das camadas assalariadas não operárias da população economicamente ativa como fator de inibição dos conflitos sociais. O papel da chamada “pequena burguesia” nas disputas políticas e nas dinâmicas de classe suscita polêmicas, mas, desde Aristóteles se sabe que uma classe media de tamanho considerável é fundamental para amortecer os conflitos entre ricos e pobres. (9)
Por todas essas razões, e talvez também por outras que me escapam, o fato é que os ricos realmente deixaram de acreditar na ameça de desapropriação revolucionária e se tornaram mais tolerantes à presença dos pobres na arena política. De acordo com Bresser- Pereira:
“Pouco a pouco, os capitalistas perceberam que os trabalhadores não votavam em bloco, e que a maioria dos trabalhadores não votaria a favor da expropriação dos ricos. Eles observaram que a política democrática tendia a dividir ideologicamente os partidos políticos, mas as diferenças entre eles tenderiam a ser cada vez menores, na medida em que todos tinham de convergir para um centro ideológico. Em outras palavras, perceberam que uma tendência nítida para eleições democráticas envolvia uma mudança de políticas, mas não de regime econômico. No final do século XIX, os argumentos contra o sufrágio universal tinham perdido força, na medida em que a burguesia percebeu que seu temor de expropriação pelos trabalhadores não tinha fundamento.” (10)
O fato é que, seja pelo recuo dos liberais, que passaram a aceitar algum nível de retorno ao velho intervencionismo estatal nas atividades econômicas, seja pelo recuo dos trabalhadores, que passaram a moderar suas reivindicações, chegou-se a um “modus vivendi” que permitiu um novo e robusto ciclo de crescimento para os capitalistas e uma generosa distribuição do excedente econômico, via o estado de bem-estar, durante cerca de três décadas após o fim da II Grande Guerra. Foi a chamada Era de Ouro do Capitalismo.
Nas palavras de Eric Hobsbawm, estabeleceu-se um “consenso tácito ou explícito entre patrões e organizações trabalhistas para manter as reivindicações dos trabalhadores dentro dos limites que não afetassem os lucros, e as perspectivas futuras de lucros suficientemente altos para justificar os enormes investimentos sem os quais o espetacular crescimento da produtividade da mão de obra da Era de Ouro não poderia ter ocorrido”. (11)
Enfim, democracia e capitalismo pareciam constituir um casamento duradouro. Mas apenas parecia.
Globalização e neoliberalismo
Estavam em curso, neste mesmo período e, especialmente, a partir dos anos 60 do século XX, um conjunto extenso de inovações tecnológicas que mudariam, de modo radical, o nosso modo de fazer as coisas e ver o mundo. Entravam em cena a microeletrônica, as novas tecnologias de informação e de comunicação, a robótica, a engenharia de novos materiais e uma infinidade de outras invenções numa verdadeira “nova revolução técnico-científica”. (12)
Estas inovações, com destaque para as relativas aos meios de miniaturização e transmissão de dados, colocaram por terra o padrão anterior de produção baseado em insumos de energia fóssil, força mecânica e grande utilização de mão de obra humana. Ao mesmo tempo, facilitaram a livre movimentação do capital pelo mundo à procura de melhores rendimentos, a constituição de grandes empresas transnacionais, a convergência dos diversos segmentos do capital em torno do capital bancário e financeiro e, enfim, a superação da participação da indústria de transformação na composição do total de riquezas produzidas pelos setores de comércio e serviços – isso tanto em escala global quando no âmbito dos territórios nacionais.
Sob esta nova realidade era inevitável que o pacto social firmado durante a “era de Ouro” fosse desfeito. O gigantesco exército de tralhadores que avalizava os sindicatos e partidos da social-democracia(13), foi dizimado pela incorporação de novas tecnologias e novos métodos de gestão da produção e do consumo. Os Estados nacionais foram atropelados pelos organismos privados transnacionais de decisão; o acirramento em escala inédita da concorrência global devastou empresas em todo o mundo e, por fim, a luta por margens maior de lucro levou à indisposição para continuar fazendo concessões aos trabalhadores e, mais ainda, à determinação de tomar de volta o que foi anteriormente concedido.
E, assim, voltamos ao começo, numa trágica repetição da história.
Alguma conclusão
Ao acompanhar os movimentos que levaram Napoleão III ao poder na França, no golpe de Estado de 1851, Marx chegou à desconcertante conclusão que os fatos da história acontecem duas vezes – uma como farsa e outra como tragédia. Citando outro grande pensador alemão, Marx escreveu: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. (14)
Permito-me uma pequena revisão na sentença. Ma primeira vez, quando a burguesia se insurgiu contra as restrições feudais clamando por liberdade, era uma farsa. Tratava-se de liberdade apenas para os proprietários dos meios de produção. Agora, neste segundo levante, trata-se de uma tragédia pois pressupõe a destruição de todo um acervo de direitos conquistados no curso de décadas de luta por direitos políticos, civis, econômicos e sociais.
A questão é que esse desmonte não é possível sob as condições da democracia avançada dos dias atuais. Assim, mais que revelar alguma eventual limitação estrutural de projeto, a tão propalada crise da democracia, desnuda a duríssima disputa que, há algumas décadas, vem sendo travada, por meios legítimos e ilegítimos, em escala global, em torno dos termos do contrato que regula a convivência pacifica dos diferentes grupos, classes e segmentos sociais.
Por essa mesma razão, trata-se também, de uma crise civilizatória cuja faceta mais grotesca e assustadora é o retorno destemido à cena política de movimentos e plataformas claramente reacionários, totalitários e anti-humanistas como o nazismo, o fascismo e o nacionalismo cristão.
Como conclusão, devemos compreender que mudanças nas condições objetivas que ambientam a política determinam mudanças na política também. O capitalismo não pode existir sem refazer-se todo o tempo, sem buscar inovações e sem destruir para reconstruir. Essa é a sua natureza e isso significa que a democracia jamais terá paz. Estejamos preparados.
REFERÊNCIAS
(1) ARISTÓTELES. Política. Trad. António Campelo Amaral; Carlos de Carvalho Gomes. Lisboa: Ed. Vega, 1998.
(2) PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo, desenvolvimento e democracia. In Yoshiaki Nakano, José Marcio Rego e Lilian Furquim (Orgs.). Em busca do novo: o Brasil e o Desenvolvimento na Obra de Bresser-pereira. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
(3) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo,1998.
(4) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich, op.cit.
(5)MARX, Karl. As lutas de classes em França. São Paulo: Boitempo, 2012.
(6) ENGELS, Friedrich. “Introdução à A Luta de classes na França” In MARX e ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Omega, volume 1. p.103.
(7) PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit.
(8) MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: Editora da UnB, 1982.
(9) Aristóteles. Op. Cit.
(10)BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Por que a democracia se tornou dominante e consolidada apenas no século XX?. 2008
(11) HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, 2008;
(12) HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1992.
(13) PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Companhia de Letras, 1989.
(14) MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
CAPITULO II
S e o acto foi tão positivo para os mais pobres, pq motivo nesta rise a democracia é tão pouco defenfendia pelo andar de baixo?
1) em primeiro lugar, é previso relativar a validade das pesquisas sobre o apreço pela democracia. Em geral, as essoas não pensam nisso e quando são abordadas tendem a responder por mtivos meramene cojutunturais. A resposta pode ser influenciada por um fomrador de opinião ouvio do ontem e pode mudar de acordo com a opinião de outro formador de opinião que sera uvifo depois de amanhã. Ennfim, não é seria.
2) o nível de cosciencia democratiaca das pessaos precisa sre medido pelo seu posicioamento em torno de qyestões práticas e concretas, como, por exemplo se são ou não a favor de uma ruptura violetta com a governo, da descetalizção administratica, do voto direteo etc.. Neseet pto levantar as pesquisas sobsre o comportameto dods brasiletiso. Ver no mudo se for possivel.
3) Finalmente, é necessário reconhecer qe há de fato, um erto mal estat com a democravia. Bobbio. As promissas não cumpridas.
A conclusão e que a coisa esá realmene em disputa.
* as sociedades de castas nunca só entenderam a rivalidade como disputa destrutiva entre grupos relativamete fechdos e estranhos entre si. Nunca aceitaram a rivalidade como competição positiva entre indivuos e subgrupos dos mesmo clã. Nessas sociedades arcaivas a harmoisa soial éra imposota pelo poder dde contropla do grupo que visiava a uniformidade. Ver Durkheim.
A competição e a rivalidade, por outro lado, são indspensaáveis nos provessos de inovação. Indiviuods e grupos dedicadaos a superrarem as soluções que receberam de seus ancestrais, a descobrobrirem nov ffonterias, a irem onde nigupem jamas esteve. As grandes descbertas da humanidade de frma geral, contrariaram dogmas e verdades esatabelecidadas. E só foram possíveis gralas a pesooas qyem, muitas vezes, enfrefntado a oposição da socieade, ousaram deafia a ordem estbelecidida. âo ecemplos Gaçileu.copernico, etc. Pessoas que ousaram buscar a diferença, a novdade. as corteza no seculo XVXii
a cooperação por outro lado é mais vantajosas quando se trata de realizar grandes projetos que envolvem um enorme dispensido de energias, a conjunção de conhecimentos diversificaos etc. somentene a colabração de miloes de pessaos pode colocar uma bave eapacial no espaço.
]na preé historia -- o encotro entre trbos ,,, multiplas inveções pela troca de xperiencas. Assim, competição e cooperação podem formar um caldo de cultura rico e favorável ao desenvolveimentto e à critivaiade. O govrno municipal pode estaimular as duas dimensões. já faz isso.Por exemplo, mostras, editais gincanas, etc
A maioria das sociedades atuais, em qualquer parte do mundo, é formada por pessoas ignorantes e este tem sido, há há bastante tempo, o problema central do vida social.
Antes que me atirem alguma pedra, devo esclarecer que me incluo entre esses ignorates e que 2) a ignorândia acontce por que somos absolutamente leigos sobre, praticamnte, a totalidade das questões que envolvem ter uma vida ativa nas atuais socieades.
DOu um exemplo bastante simples. Tudo o que a nobree ciadã ou o nobre cidaão esperam quando abre uma torneira do chuveuro é que saia água com suficiência para um bom banho. A regular a tempurauda da água, tudo o que esperam é que o banho seja confotável e relacantes, coias que não sejá possífel se a água estive rquente demais ou fria demais.
Nesse momento cotidian, que pode ocorrer diveras vezes ao dia, e centenas de vex num ano, não passa pela cabea de nosos cidadão e cidadãs, uqalquer quesioamento sobre oss processos pelos quais a agua e a enrgia eletriva chegam à sua residência e, mais especificamnwtw, ao sue banheiro. O problema da geração de energia, se eólica ou hidreletia e de sua transmisaão pertence a outro mundo onde dmiiam engenherios e exectuvivos do setor eltrico. O mesmo ocorre com a produção de água utilizável em residências. O fato de ela chefar a té a sa rsidenica, prexado leitor, ou prezada leituroa, é serua um cmpleto mistério pra a maioria dis cosumidores de água se, por acaso, ele parassem par a se fazr essa perrgungt.
fAz tempo, muito tempo, delegamos para os especialistas a tarefa de assgurar a nossa exist~enia iniviaudal e coletitvs e com isso nos afastaoms, contiuamente, da compreensão do que é nefcessáio fazer para que o cotiiano sempre supriod em sus necessidades mais elementares. Nõa é só o banho. Circula pela cidade para i r de casa ao trablho (ou Pa escola, pu ao cinama), pedir uma refeição num restauante, consultar o saldo bancário no celular ou num terminal de caixa, são oper~]ao que só são possíceis devido ao trabalho conjungado de milhares de pesaoas. Boa parte delas, gente estudadada. São técnicps e especialistas sem os quais uma represa não funciona, um aplictivo de computador não exsiteria e/ou o sinal vermelho do Trânsito não acdeneria na hora certa;
Compardos aohumero de habitantes d um pais, qualquer pais, o número dessesses tecnicos e esecialisas eé irrisorio. ainda mais irrisorio é o numro d pesaoas que são engarregads d e coordenar e atabelecer as egra spa o funconamaneo da ampla gama d servços e ofrecidos em qualquer sociedade -- os politivos, juisrists e legisladores.
Por exemlp , a população brasileira é formada por XXX milhões e pessaos. E remos CCCCpoliticos do executivo, CCCC politiocs o legilatvo, CCC juizs em heral e CCCC parlamentaras
58.208 vagas de vereadores
513 deputados feders
CCC deputados estadais
81 senadore
engenheiros de trânsito é irrisorio. O númrro de pediatras qu poem receitar um atitermico pra nosssos filh
cerca de 546 mil médicos ativos
2,2 milhões de pessoas exercem a profissão na educação básica e 323.376, no ensino superior
onSomos 4 milhões de profissionais formados admiitradoers
dlegamos glas fispq nossas sociedades foram ficado cda ve zmiores mais complexas, com revuros inbimagi´veis entre um gerção eoutra.
Hoube temoo em que cada indiviudo podia dominat amplamentet todas as tecnolologias necessariaosa a+a à sua sobrevienci já que elas eram simples e estavama dispobivis ara todos no grupo social ao qual ele se iculaava. Afuar uma vara com uma pedra, constuir um arco, armar uma cabanada, colher um fruto saudávek , fisca r u perixe e, dentre outras ativifdas, eram tarefas que mobilizava reuros intectuasi dispobievies para toso os msmbros do grupo. Mas esses compnhecimentos form ae tornado cada v e mas amlos e mais compelcos, passanamdo a ecigir a partif´piçaçã deespecialistas que, om com tempo, tabem pasaram a sr eserviaidastas juramentaos e diploamofss
. Dee preferência em
vez de república, ou seja, res publica, passamos a ter uma res mercatori, -- : Wolfgang Streeck
"e quando Dilma, na fase final do primeiro mandato, passou a reduzir os juros da dívida pública, os juros para pessoas jurídicas e para pessoas físicas, buscando restabelecer o equilíbrio financeiro indispensável, começou a guerra total. Os interesses financeiros viam-se eles mesmos intocáveis, e partiram para recuperar o poder." Ladislau Dowbor - Democracia e Capitalismo, divórcio definitivo - https://outraspalavras.net/sem-categoria/democracia-e-capitalismo-divorcio-definitivo
A receita para que os os governos mantenham a confiança dos mercados, e em consequência sobrevivam: “Os cortes de despesas propostos afetarão essencialmente pessoas cuja baixa renda torna-as mais dependentes de serviços públicos. O emprego será reduzido ainda mais, e os salários no setor público serão espremidos, o que será acompanhado de novas ondas de privatização, bem como de diferenças salariais mais amplas. O acesso aos serviços públicos universais – por exemplo, nos setores de saúde e de educação – será crescentemente diferenciado dependendo da capacidade de compra das diferentes clientelas. No conjunto, o corte de gastos e a redução dos níveis de atividade governamental reforçarão o mercado como principal mecanismo de distribuição de oportunidades na vida, estendendo e complementando o programa neoliberal de desmantelamento do estado de bem-estar.”(119) Ladislau Dowbor - Democracia e Capitalismo, divórcio definitivo - https://outraspalavras.net/sem-categoria/democracia-e-capitalismo-divorcio-definitivo/
* a questão da crise da democracia
— A experiência democrática como uma
coisa recente - usar como base wanderley guilherme, quando
contabiliza a chegada da democracia em diversos países. Atualizar
dados sobre quantos países se declaram democráticos;
— A variedade das experiências
democráticas – usar o conceito de poliarquia. Dall.
* as promessas não cumpridas – Bobbio.
* o divórcio entre capitalismo e
democracia. → as mudanças na base de produção. Revolução
tecnco cientica. Aumeto da correorencia, maximização dos lucros e
luta para ampliar a parte da riqueza sociaislente produziada para as
mãos dos já privilegiados → Combate aos direitos sociais.
* a nova direita e os ataques à
democracia;
Uma resposta de esquerda à crise da
democracia
* o município e a questão democrática
É possível confrontar a Nova Direita de
modo prático via a adoção de políticas governamentais que
recuperem a credibilidade dos governos democráticos e a esperança
numa “promessa de emancipação” vinda da esquerda.
A recente ascensão de movimentos
políticos e sociais conservadores, de direita e de extrema direita
em escala global, e a chegada ao poder governamental de alguns de
seus representantes — como no emblemático caso de Donald Trump,
nos EUA — recolocou em pauta o debate sobre a democracia liberal
como forma de governo capaz de processar positivamente os conflitos
de interesses e divergências de opiniões existentes no interior das
sociedades ocidentais. Estaríamos, assim, em mais uma crise da
democracia que, para alguns observadores, pode ser terminal dada a
natureza antidemocrática da assim denominada “Nova Direita”.
No Brasil, a emergência da Nova Direita
costuma ser datada de 2013, quando das ondas de manifestações que
varreram o país e ambientaram o surgimento de movimentos como “Vem
Pra Rua” e o “Brasil Livre” no ano seguinte, 2014. Em 2016, ao
cabo de um traumático processo de impeachment juridicamente forjado,
houve a parlamentada que apeou a presidenta Dilma do poder. Assumiu
Michel Temer, que iniciou a um pesado ataque a direitos sociais do
povo brasileiro, muitos dos quais conquistados em décadas de lutas
sindicais e populares e que estão na base de nosso Estado de Bem
Estar Social. As reformas trabalhista e da Previdência são exemplos
desta ofensiva que continuou a partir de 2018, com a eleição de
Jair Bolsonaro à presidência da República. Desde então, o país
tem assistido ao que o jornal El País chamou de “assalto em câmera
lenta à democracia”.
Jair Bolsonaro jamais escondeu suas
preferências políticas e ideológicas, sua adesão ao autoritarismo
como método e estilo, nem sua insatisfação com o desenho político
vigente no país. “Se tudo tivesse que depender de mim, não seria
este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu
represento a democracia no Brasil”, disse ele em fevereiro último,
em uma formatura de cadetes do Exército(1). Ainda bem que não
depende.
Sem forças suficientes para realizar o
sonho de um golpe militar à moda antiga, com tanques nas ruas,
congresso fechado, mobilização dos quartéis e patrulhas de
milicianos, o presidente perpetra uma sequência interminável de
ataque às instituições democráticas nacionais. O rol é bem
conhecido. Vai da permanente hostilização ao Supremo Tribunal
Federal (STF) até a extinção do sistema nacional de participação
de representantes da sociedade civil em decisões sobre políticas
públicas, passando pelas crescentes ameaças à liberdade de
imprensa; pela disseminação de boatos e notícias falsas; pelo
incentivo ao armamento da população; pela promoção de
manifestações favoráveis a uma ditadura; pela interferência
ilegal nas nomeações internas da PF a fim de promover seus
interesses pessoais; pela decretação de sigilo por cem anos dos
registros relativos aos acessos de seus filhos ao palácio
governamental e dos processos sofridos pelo general Eduardo Pazuello,
etc.
Este “assalto em câmera lenta à
democracia”, que Bolsonaro exercita de modo sistemático e com
grande habilidade é, de certa forma, a grande novidade da luta pelo
poder político no mundo ocidental neste início do século XXI.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no já clássico “Como as
democracias morrem”, buscam demonstrar como as democracias podem, e
frequentemente são, instabilizadas por dentro pela ação de
lideranças conservadoras que, uma vez eleitas pelo voto direto do
povo, passam a modificar o funcionamento das instituições
democráticas tendo em vista colocá-las a serviço de um projeto
autocrático de poder, inclusive via golpes parlamentares como
ocorreu no Brasil e no Paraguai em 2012. Por outro lado, a via do
“assalto em câmera lenta à democracia” tornou-se uma opção
preferencial das oligarquias, em contraposição aos golpes militares
clássicos, tanto porque os golpes militares se tornam de difícil
realização nas complexas sociedades atuais (entre elas o Brasil)
quanto porque, como têm demostrado os resultados de eleições em
todo o mundo, os partidos e candidaturas conservadores, de direita e
até fascistas, podem ser fortemente competitivos nas disputas
eleitorais, como argumentou Wanderley Guilherme dos Santos(2).
Embora exista um grande debate sobre as
características da nova direita, me parece mais relevante investigar
sobre os motivos que levaram à inédita e assustadora popularidade
que movimentos e lideranças deste campo têm obtido nas últimas
décadas. Neste caso, sugiro seguir os passos de Norberto Bobbio
quando alerta para as “promessas não cumpridas da democracia”(3).
É imperativo reconhecer que, após a II
Guerra, houve um exponencial aumento dos espaços democráticos no
mundo. O direito de votar e ser votado foi universalizado junto com a
adoção do sistema de eleições periódicas; multiplicaram-se os
partidos em concorrência entre si dando vazão às múltiplas
perspectivas ideológicas existentes na base das sociedades; foram
ampliados os principais direitos de liberdade e avançou-se bastante
no reconhecimento dos direitos das minorias, entre outros progressos.
Entretanto — é para este ponto que Bobbio aponta — permanece um
hiato profundo, e cada vez maior, entre aquilo que foi imaginado
pelos liberais e iluministas do novecentos e o que foi efetivamente
entregue pelo que podemos chamar de “sistema de vida”, ou seja, a
junção do capitalismo como modo de produção e distribuição de
bens e serviços e a democracia como modo de escolha de nossos
governantes.
Resumidamente, Bobbio denuncia que essa
junção, longe de entregar o reino de fraternidade, igualdade e
liberdade prometido, levaram à persistência dos poderes
oligárquicos e à predominância de interesses particulares sobre as
necessidades gerais da sociedade. Esse poder oligárquico não está
presente apenas no mundo dos ricos, mas pode ser observado também na
ação dos partidos, sindicatos e outros grupos organizados que, na
prática, se tornaram os verdadeiros protagonistas da vida política
em substituição aos indivíduos soberanos. Estes, por sua vez, vêm
seu espaço de participação cada vez mais restrito ao voto nos
momentos autorizados pelo sistema. Dessa forma, sugere Bobbio, o
caminho para a interferência do chamado “poder invisível”
(lobbies corporativos, pressão de grupos criminosos, etc.) sobre os
fóruns de decisões governamentais vem sendo muito facilitado,
favorecendo a corrupção e a opacidade nas relações entre os
governos e o cidadão. Ao fim e ao cabo, todos esses fatores
contribuem para a formação de uma cultura que descrê da política
e não contribui para o ensinamento das virtudes e necessidades da
cidadania.
Saliento que este conjunto de variantes
conforma o mecanismo social de produção e reprodução das
desigualdades sociais e, de modo particular, da desigualdade de
renda, num processo que aumenta continuamente as distâncias sociais,
como registrou o economista francês Thomas Piketty(4).
É neste ambiente que a Nova Direita
opera, apresentando uma interpretação da realidade que faz muito
sentido aos olhos do cidadão comum: os flagelos que ele vive em seu
cotidiano são “culpa” de um “sistema corrupto”, elitista e
inacessível que precisa ser mudado, nem que seja “no tapa”. Dai
o sucesso dos “outsiders”, os novatos sem vínculos conhecidos
com algum dos aparatos de poder politico mais característicos. A
popularidade da nova direita vem dessa crítica radical à esfera
política e de uma rebeldia contestatória que dialoga vivamente com
sentimentos de indignação e frustração presentes entre o povo.
A esse respeito, o historiador argentino
Pablo Stefanoni lançou ano passado um livro bastante provocador e
que, infelizmente, ainda não tem edição em português: “La
rebeldía se volvió de derecha?” (A rebeldia passou a ser de
direita?, em tradução livre), pergunta ele logo no título.
Stefanoni argumenta que essas direitas captaram a frustração da
época e se tornaram canais de protesto contra governos e formas de
fazer política. Um exemplo inquietante nesse sentido diz respeito à
bandeira da liberdade que é, tipicamente, é uma consigna
progressista e até mesmo de esquerda. Stefanoni lembra que,
historicamente, a direita usou o tema da liberdade para se opor ao
comunismo. Entretanto, durante a pandemia, os conservadores e
negacionistas ressignificaram esse conceito e adotaram um
“libertarismo pandêmico” em oposição às restrições de
circulação e medidas de vigilância impostas por diversos governos
que, com isso, aumentaram drasticamente sua capacidade de controle
policial sobre a cidadania. Com a anuência da esquerda. “No
passado, a esquerda era quem oferecia um futuro, uma promessa de
emancipação. Isso se quebrou, e nessa ruptura essas direitas
passaram a prometer utopias relacionadas a um passado de grandeza.
Prometem fechar fronteiras, pregam a ideia de que houve um momento de
glória e que depois dele veio a decadência(5)”, disse ele numa
entrevista ao jornal O Globo.
O renomado sociólogo português
Boaventura Sousa Santos argumenta no mesmo sentido. Para ele, estes
movimentos exploram o “mal-estar social que a subordinação
crescente da democracia ao capitalismo provoca. Ou seja, exploram as
mesmas condições sociais que mobilizam os movimentos
anti-sistêmicos de esquerda. Mas, enquanto para estes o mal-estar
social decorre precisamente da sujeição da democracia às
exigências do capitalismo, exigências cada vez mais incompatíveis
com o jogo democrático, para os movimentos de extrema-direita o
mal-estar decorre da democracia e não do capitalismo. É, por isso,
que, tal como na década de 1930, a extrema-direita é acarinhada,
protegida e financiada por setores do capital, sobretudo pelo capital
financeiro, o mais anti-social de todos os setores do capital”(6).
Na campanha eleitoral de 2020, a campanha
da candidata petista Marília Campos à prefeitura de Contagem,
sustentou que a solução para a crise da democracia é mais
democracia(7), numa demarcação franca e clara com o discurso
golpista de Jair Bolsonaro. Esta convicção foi refletida no
Programa de Governo que elaboramos num capítulo exclusivamente
dedicado a este tema, com uma abordagem política abrangente em
termos de medidas a serem adotadas pelo futuro governo. Reproduzo a
seguir a íntegra do capítulo:
PARTICIPAÇÃO POPULAR
Uma cultura democrática e transformadora
na vida pública
• Aproximar a administração municipal
da população. Garantir o acesso da população à prefeita e ao
secretariado por meio de audiências públicas presenciais ou via
internet, lives; programas de comunicação do estilo “A prefeita
responde” e reuniões nos bairros e nas regionais para discussão
de projetos e dos problemas da comunidade;
• Incentivar a auto-organização da
sociedade civil e instituir o Sistema Municipal de Participação
Popular e Cidadã, a ser formado pelas organizações, movimentos,
conselhos e fóruns representativos dos diversos grupos e segmentos
sociais;
• Valorizar e fortalecer os Conselhos
das diferentes áreas como espaços de participação e de controle
social;
• Garantir a transparência na
Prefeitura e popularizar, através das redes sociais e do Jornal da
Prefeitura, as informações do interesse da população; valorizar,
fortalecer e facilitar o acesso ao Portal da Transparência, aos
Serviços de Atendimento ao Cidadão, e à Ouvidoria Geral do
Município;
• Publicação, dentro dos prazos
legais, na internet dos relatórios fiscais e demais informações
exigidos em lei; edição de cartilhas e realização de cursos para
a comunidade, em especial para os segmentos organizados, das finanças
públicas; divulgação de forma didática nos jornais da Prefeitura
das principais informações financeiras da Prefeitura: receitas,
despesas, dívida, investimentos, remuneração dos servidores,
dentre outras;
• Fortalecer as administrações
regionais visando colocar a prefeitura mais próxima do cidadão,
descentralizar a prestação de serviços e agilizar as respostas do
poder público nas diversas regiões da cidade;
• Usar a internet para simplificar,
agilizar e desburocratizar o diálogo entre governo e sociedade, a
relação direta da população com a prefeita e a melhoria do
atendimento ao cidadão;
• Elaborar, regulamentar e implementar
o Plano Municipal de Informática com o objetivo de instituir os
princípios, diretrizes, estruturas e normas da Politica Municipal de
Tecnologia da Informação e Comunicação; fomentar a inovação
tecnológica na economia municipal; aumentar a transparência das
ações do executivo municipal; facilitar a participação cidadã e
promover a cidadania e a inclusão digital;
• Governar respeitando a autonomia do
poder Legislativo.
A leitura do texto não deixa dúvidas
quanto aos objetivos pretendidos pela candidata: reduzir as
distâncias entre governo e cidadania e tornar a Prefeitura mais
presente na vida das pessoas; dar transparência aos atos do governo
e assumir a prestação de contas como uma dimensão inarredável do
processo de responsabilização dos governantes e, finalmente,
incentivar a participação organizada dos moradores nas decisões do
governo.
Não é propósito deste artigo balancear
esses compromissos, por mais que a apuração seja amplamente
favorável ao governo Marília Campos. O objetivo aqui, depois das
longas considerações preliminares, é sustentar que possível
confrontar a Nova Direita de modo prático via a adoção de
políticas governamentais que recuperem a credibilidade dos governos
democráticos e a esperança numa “promessa de emancipação”
vinda da esquerda.
O balanço que proponho abrange três
dimensões sem as quais, a meu ver, não é possível a
sustentabilidade da democracia a longo prazo. Trata-se das questões
da igualdade, da transparência e da prestação de contas e,
finalmente, da participação.
A IGUALDADE — Por igualdade não
devemos entender apenas a isonomia de todos perante as leis, tal como
consagrado pela declaração dos direitos humanos e outros documentos
fundamentais das revoluções burguesas. A lei apenas diz, por
exemplo, que você tem o direito de ir e vir, mas não te diz qual
meio de transporte usar. Assim, a igualdade deve ser contemplada
também no plano material, ou dos recursos e oportunidades à
disposição da cidadania para o exercício de uma vida plena.
Os efeitos perversos de uma distribuição
desproporcionalmente desigual dos recursos sociais são conhecidos
desde, praticamente, o início da civilização. Há mais de dois mil
anos, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.)(8) chamava a atenção
para a luta entre pobres e ricos na velha Atenas que levava a
constantes revoluções. Por essa razão, o filósofo propunha que o
estado fomentasse a formação de uma sólida “classe média” que
amortizasse o conflito entre os dois extremos.
Já nas origens das revoluções
burguesas, iluministas como Jean-Jacques Rousseau Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) e o Marquês de Condorcet (1743-1794) alertaram
para os graves efeitos das desigualdades sobre a ordem política.
No caso de Rousseau, a desigualdade
econômica e política entre as pessoas, era vista como uma
consequência das convenções que regem a vida social. A convenção
da propriedade privada, para o filósofo, seria a principal
responsável não apenas por essa desigualdade mas, também, pela
feroz competição entre as pessoas numa busca constante de poder e
riquezas para subjugar seus semelhantes. Dai que a desigualdade
crescente representaria uma ameaça à própria liberdade humana (9).
Quanto ao Marquês, embora fosse
favorável à propriedade privada e ao livre comércio, por outro
lado era um enérgico defensor da igualdade – e não somente da
igualdade de todos os cidadãos perante as leis, mas da igualdade de
fato, a ser assegurada via a promoção pelo Poder Público de
oportunidades para todos, fossem ricos ou pobres, homens ou mulheres,
negros ou brancos, etc. Como se sabe, é dele a autoria de um projeto
de lei apresentado na Assembleia Nacional da França em 21 de abril
de 1791,propondo a implantação da “instrução pública”,
gratuita e universal, vista como base para uma acepção mais
complexa e mais sólida de cidadania(10).
Finalmente, não é demais lembrar a
crítica à desigualdade social nas raízes mais antigas e profundas
dos movimentos de esquerda, socialistas e comunistas. Décadas antes
de Marx, o jornalista francês Gracchus Babeuf (1760-1797), liderou a
chamada “Conspiração dos Iguais” cujo objetivo era alcançar a
igualdade de fato entre as pessoas e não apenas a igualdade perante
a lei. No Manifesto dos Iguais, redigido em 1796, Babeuf declara:
“Desde a própria existência da sociedade civil, o atributo mais
belo do homem vem sendo reconhecido sem oposição, mas nem uma só
vez pôde ver-se convertido em realidade: a igualdade nunca foi mais
do que uma bela e estéril ficção da lei. E hoje, quando essa
igualdade é exigida numa voz mais forte do que nunca, a resposta é
esta: ‘Calai-vos, miseráveis! A igualdade não é realmente mais
do que uma quimera; contentai-vos com a igualdade relativa: todos
sois iguais em face da lei. Que quereis mais, miseráveis?” (11)
Em resumo, a desigualdade –
especialmente quando extremamente desproporcional – foi vista com
preocupação e objeto de cuidados por ideólogos de distintas
linhagens, seja com o propósito de assegurar a estabilidade da ordem
e preservar o status quo, seja no sentido de promover revoluções ou
reformas estruturais que levassem a uma maior igualdade entre os
homens.
Neste sentido, é necessário registrar
que a petista Marília Campos voltou ao governo de Contagem em meio a
um dos mais radicais processos de concentração de rendas já visto
na história brasileira. As políticas econômicas contracionistas
iniciadas pelo presidente Temer tiveram continuidade com Bolsonaro e
foram agravadas pela pandemia da Covid-19 que impôs severas
restrições de mobilidade, fechamento do comércio, etc. Como
corolário, o país vive uma dramática crise econômica que gera
desemprego em larga escalda e fomenta tanto o aumento da pobreza e da
miséria quanto uma concentração ainda maior da riqueza socialmente
produzida.
De acordo com um levantamento realizado
pela Oxfam Brasil, o país ganhou 10 novos bilionários desde março
de 2020, quando a pandemia foi declarada. O aumento da riqueza dos
bilionários neste período foi de 30% (US$ 39,6 bilhões), enquanto
90% da população teve uma retração de seus rendimentos igual a
0,2% entre 2019 e 2021(12).
O governo Marília Campos vem enfrentando
esta tragédia atuando em duas frentes. Em primeiro lugar com medidas
de incentivo à economia local. Este tópico contempla ações como a
forte retomada dos investimentos públicos que levaram à abertura de
um significativo número de vagas de trabalho na cidade (cerca de
1600 em 2021); o patrocínio aos empreendimentos da Economia
Solidária; a melhoria do relacionamento com o setor de RH das
empresas via a reorganização do SINE e consequente melhoria da
capacidade de oferta e intermediação de vagas; retomada dos
concursos públicos (como no caso do concurso para professores que
aprovou cerca de 1.500 inscritos); a aprovação da lei Complementar
318, deste ano, que prevê a concessão de vantagens aos
Microempreendedores Individuais (MEIs), Microempresas (ME) e Empresas
de Pequeno Porte (EPP) nos processos de compras governamentais; a
adoção de sistemas informatizados para oferecer mais transparência,
agilidade e eficiência aos processos de licenciamento ambiental,
liberação de alvarás e ações de fiscalização e, finalmente, o
fim da política de arrocho sobre os vencimentos dos servidores com a
retomada da política reajuste dos salários.
Esse conjunto de iniciativas repercute
positivamente sobre todo o ambiente de negócios do município e
sinaliza aos investidores que a cidade é uma alternativa segura
tanto para ampliações da base instalada e quanto para novos
empreendimentos. Neste sentido, o Mapa de Empresas do Governo Federal
registrou um crescimento de 12,21% no número de novas empresas
abertas na cidade em 2021, na comparação com o ano de 2020. O
município foi destaque em Minas Gerais na geração de empregos de
carteira assinada em 2021, com 11.732 novos vagas abertas e a
somatória dos investimentos privados anunciados para os próximos
anos chega a 7 bilhões de reais, conforme os cálculos da Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Econômico.
A segunda linha de ação está
relacionada à assistência às populações mais vulneráveis. Dados
da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social indicam que
Contagem possuía, em junho de 2021, cerca de 78.878 pessoas vivendo
na linha da extrema pobreza (29.097 famílias), 15.539 pessoas na
faixa da pobreza (6.397 famílias) e 41.100 pessoas de baixa renda
(ou 14.356 famílias).
O município tem um sem número de
serviços que significam ou a transferência de recursos públicos
diretos para essas pessoas ou, pelo menos, alguma economia para o
bolso do beneficiado. São exemplos o Programa Sem Limite (de
transporte para pessoas com graves necessidades motoras); a oferta do
cartão BH Bus; ajuda na emissão de documentos, distribuição
regular de cestas básicas, albergues e outros equipamentos para a
atenção à população de rua; o programa de hortas comunitárias e
os restaurantes populares que servem cerca de 3.500 refeições
diárias, a preços fortemente subsidiados.
Dentre todos, destaco dois programas
municipais com forte capacidade de proteção e de impacto sobre a
economia local: a merenda escolar e o Cartão social.
Suspensa durante a Pandemia, quando foi
substituída por um vale, a oferta da merenda foi retomada em outubro
de 2020 e atende cerca de 57.200 mil crianças todos os dias a um
custo mensal médio de R$ 1.900.000,00. O vale foi oferecido entre
janeiro e outubro de 2020 para todos os estudantes da rede com renda
familiar igual ou inferior a três salários-mínimos, num
investimento total de R$ 28.122.700,00.
Já o Cartão Social é destinado às
famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social
temporária, inclusive devido a questões de calamidade pública. Ele
corresponde a um benefício no valor de R$ 100 mensais concedidos
pelo município e substitui a cesta básica já recebida pelas
famílias referenciadas pela Assistência Social. O cartão (ao
contrário da cesta) dá a essas pessoas a autonomia para comprar
produtos que realmente precisam, inclusive, materiais de limpeza e
gás de cozinha. O investimento é de R$ 2.536.920,00.
A PARTICIPAÇÃO — Durante a campanha
eleitoral de 2020, escrevemos o seguinte panfleto:
“Na democracia representativa, a
escolha dos representantes do povo para os diferentes níveis do
poder político está baseada na vontade da maioria, expressa pelo
voto. Mas, o que um povo espera de seus representantes é que façam
por onde garantir a liberdade, a segurança e o bem-estar de todos e
cada um dos cidadãos e cidadãs, quer estejam ou não representados
no Legislativo e no Executivo.
A regra da vontade da maioria, portanto,
não é suficiente para justificar nem as decisões de governo, nem
as leis aprovadas pelo Parlamento. A história está repleta de
governos que “democraticamente” desprezam as opiniões
minoritárias. Num mundo com sociedades cada vez mais diversas e
plurais, essa é uma das razões para a crescente crise de
legitimidade das democracias representativas.
A solução para esta crise é mais
democracia. A participação política é a melhor garantia contra
todas as formas de tirania. Quanto não ouve e não cria as condições
para que as minorias eleitorais possam participar e influir sobre as
decisões, a regra da maioria, em sua essência, leva à “ditadura
da maioria” — um governo tão distante dos ideais de justiça
quanto o governo de qualquer ditador.
Quanto mais espaço tivermos para
participar e influir sobre os espaços de poder, mais nossos governos
poderão agir no melhor interesse de todas as camadas e segmentos da
comunidade” (13).
Este compromisso de campanha tem se
tornado uma das principais marcas do governo, assegurando tanto para
aqueles que votaram na candidata vitoriosa quanto para os que
preferiam o outro candidato, as mesmas oportunidades de influenciar
nas decisões. Mesmo durante o período mais grave da Pandemia da
Covid-19, que impôs severas restrições de mobilidade e para a
realização de encontros e reuniões presenciais, o governo
conseguiu manter uma importante agenda de articulações e de
mobilização na busca de soluções pactuadas seja para o
enfrentamento da própria pandemia, seja para o exercício da gestão,
para a condução de obras e políticas públicas e para a busca de
recursos que ajudem no financiamento das demandas das comunidades.
O chamado “Pacto pela vida”, por
exemplo, foi o principal instrumento de mobilização social da
Prefeitura no combate à pandemia envolvendo a Câmara dos
Vereadores, denominações religiosas, segmentos empresariais e a
população de conjunto. Além da busca permanente por este
engajamento, o governo vem fortalecendo os fóruns e instâncias
populares de dois modos. Primeiro, autorizando e implementando os
Conselhos de Políticas Públicas, que são as instâncias de
participação popular previstas em lei. Além disso, deu início à
construção do Sistema Municipal de Participação Popular —
SMPPC, composto por várias das iniciativas formais e informais de
promoção da participação e do controle social.
Terminamos o ano de 2021 com 29 conselhos
municipais de políticas públicas em atividade, mobilizando cerca de
826 conselheiros, entre representantes do Poder Executivo, do Poder
Legislativo e da sociedade civil. Quanto ao SMPPC, trata-se de uma
iniciativa municipal que implicou a eleição por território de oito
conselhos em reuniões plenárias com ampla participação dos
moradores.
Esses conselhos reúnem um total de 618
Conselheiros (354 titulares e 264 suplentes), já empossados pela
prefeita Marília Campos. Sua função é assessorar o governo na
definição de políticas, serviços e obras prioritários para a
região e fiscalizar o andamento dos trabalhos. Fazem parte do
sistema, as Comissões de acompanhamento de obras, que são
mecanismos temporários formadas por moradores para acompanhar o
andamento dos investimentos em infraestrutura da cidade e ajudar na
difusão de esclarecimentos em caso de revisão de projetos,
paralisia dos trabalhos, entre outros problemas. Atualmente 20 dessas
comissões estão ativas.
O governo também busca mobilizar fóruns
intersetoriais de políticas Públicas, formados por representantes
da sociedade civil e das diversas secretarias para tratar de temas
específicos. Até o momento estão em funcionamento cinco deles: o
Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População
Imigrante; a Comissão Paritária da Feira de Arte e Artesanato do
Bairro Eldorado; o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à
Violência Contra a Mulher; o Comitê municipal de gestão dos
distritos industriais de Contagem e a Comissão de parcelamento,
ocupação e uso do solo.
Marília nas ruas — Este é um destaque
valioso. A prefeita tem uma extensa agenda de visita às obras,
equipamentos públicos e comunidades. Nessas ocasiões, ela é
diretamente abordada pelos moradores que, invariavelmente, agradecem
pelo que foi feito, mas sempre apresentam novas demandas. É comum
que essas reivindicações sejam atendidas com Marília determinando
a realização dos estudos de viabilidade e a inclusão da
intervenção no planejamento do governo. A agenda da prefeita é,
com certeza, uma importante oportunidade de participação à
disposição dos moradores da cidade.
A TRANSPARÊNCIA — Ao refletir sobre a
legitimidade do poder e os fundamentos de autoridade das instituições
políticas, Hanna Arendt nos inicia num interessante debate sobre o
conceito de realidade. O que é, afinal de contas, o real? Em “A
condição humana”, a filósofa sugere que, no mundo dos negócios
humanos, a definição, a existência e continuidade do real depende,
em primeiro lugar, da presença de testemunhas, ou seja, de outros
que compartilham do que foi visto e ouvido e que, posteriormente,
haverão de se lembrar dos eventos narrados. Neste sentido, na esfera
politica, aquilo que entendemos como realidade requer a dimensão da
visibilidade, vale dizer, da publicidade, ou ainda, deve ser público.
Público significa “tudo que pode ser visto e ouvido por todos e
tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência –
aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos –
constitui a realidade” (14).
A questão da transparência deve ser
vista nesta perspectiva e é muito mais que uma vacina contra a
corrupção ou contra a roubalheira dos cofres públicos, como
pretende o moralismo udenista – muito embora não deixe de ser,
também, a melhor maneira de solucionar o desacordo entre a moral e a
política. “A presença de outros que veem o que vemos e ouvem o
que ouvimos garantem-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”(15),
escreve Hanna na página seguinte, deixando ainda mais explicita a
dimensão mais radical do problema. Só é possível a construção
do comum por meio de experiências tangíveis, que possam ser vistas
e ouvidas pelo maior número de pessoas e comunicáveis.
Trazendo o debate para o terreno da
construção de políticas públicas democráticas, resta evidente a
existência de um conflito entre a democracia e o segredo. É genial,
neste sentindo, a definição de Norberto Bobbio para quem a
democracia é o governo do poder público exercício em público, ou
seja, o poder público não é privado e nem é secreto(16). Por esta
razão, para Bobbio, o segredo de Estado é um dos maiores obstáculos
à implementação de uma democracia plena.
Numa democracia, portanto, a visibilidade
e a publicidade do poder são elementos básicos que tanto permitem o
importante mecanismo de controle da população sobre a conduta dos
governantes assegurando a correspondência entre as promessas e as
entregas, quanto a construção de uma compreensão comum sobre a
realidade socialmente construída e, por consequência, o adensamento
da base social que pode oferecer sustentação ao projeto
democrático. Estou falando, naturalmente, de uma governabilidade que
não depende apenas do esforço, nem sempre fácil, de manter boas
relações com a Câmara dos Vereadores.
Em Contagem, sob o governo Marília
Campos, existe um amplo leque de iniciativas tendo em visa aumentar a
visibilidade das ações do poder público e facilitar o acesso aos
canais de expressão dos moradores. Essas iniciativas atendem tanto
ao princípio da transparência ativa, aquela na qual o Poder Público
toma a iniciativa de dar publicidade a seus atos independentemente da
pressão por informações por parte da cidadania e, também, da
transparência passiva – aquela em que a Administração Pública
libera informações à medida que instada por terceiros. Dentre
elas, devem ser listadas o Portal da Transparência, a Ouvidoria
Municipal com seus seus vários canais de comunicação com o usuário
(e-mail, WhatsApp, telefone, o canal E-OUV e o E-SIC) e o Diário
Oficial do Município, que tem publicação regular.
São dois, entretanto, os pontos fortes
dessa política. O primeiro é a política de comunicação, ajustada
às especificidades do município. Como escrevemos no caderno
Contagem iluminada, “Por sua proximidade com Belo Horizonte,
Contagem sempre dependeu da boa vontade dos veículos de comunicação
estadual para cobrir os seus principais acontecimentos. No município,
ao contrário do que ocorre nas capitais e cidades polo, não vicejou
um ecossistema comunicacional pujante, formado por jornais, revistas,
rádio ou TV comercial ou educativa. A cidade não tem nenhuma
experiência bem-sucedida na área. Essa ausência é um dificultador
para que se dê vazão às demandas da comunicação pública. A
mídia estadual tende a cobrir, com maior ênfase, as pautas
negativas, dedicando menor espaço para as boas práticas
administrativas e para o que de bom acontece na cidade, de maneira
geral. Já a veiculação de campanhas educativas e informativas por
parte da Prefeitura, esbarra em custos proibitivos, em especial no
caso da TV, para serem feitos de forma frequente”(17).
Por essas razões, a política de
comunicação da prefeitura é composta por um mix de produtos tendo
em vista facilitar o acesso ao morador em todas as regiões. Faixas,
carro de som, cartazes, panfletos, busdoor, jornais e boletins
impressos e outras formas de comunicação mais “tradicionais”
ganham uma importância fundamental, ao lado de meios modernos como
as redes sociais e das campanhas publicitárias veiculadas no rádio
e na TV quando possível. O Jornal `Prefeitura Faz, cuja publicação
foi retomada no atual governo teve duas edições em 2021, com
tiragens de 200 mil exemplares cada, distribuídas de casa em casa e
nos principais corredores comerciais. A Secretaria de Comunicação
também retomou a edição de jornais regionais. Foram feitos oito,
uma para cada região administrativa, com tiragem somada de 66 mil
exemplares.
Também cabe destacar neste tópico a
comunicação realizada diretamente pela prefeita Marília Campos via
suas redes sociais onde dá ampla divulgação de sua agenda de
trabalho, reporta seus os encontros com a população e,
regularmente, presta contas de seus vencimentos.
Finalmente, cabe destacar as políticas
que visam tornar a Prefeitura fisicamente mais próxima dos moradores
e aquelas que, investindo na modernização tecnológica da gestão,
tornam os processos tantos mais ágeis quanto mais transparentes. No
primeiro grupo de ações, está o fortalecimento das Administrações
Regionais com a ampliação da carteira de serviços que podem ser
solicitados pelo cidadão e pela cidadã sem a necessidade de
recorrerem a uma secretaria específica, No segundo caso, está a
adoção de sistemas que permitem a solicitação do serviço e o
monitoramento do processo pela Administração e pelo usuário. São
exemplos. o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) adotado pela
Controladoria e o Programa Governo Digital, de iniciativa da
Secretaria de Tecnologia da Informação e Inclusão Digital, Como
parte deste programa, a prefeitura está investido na inclusão
digital da população, ampliando e democratizando o acesso dos
moradores à internet tanto via as escolas municipais quanto com a
implantação de wi-fi nas praças da cidade.
NOTAS
(1) “Se tudo depender de mim, não
seria este regime”, diz Bolsonaro –
https://oglobo.globo.com/politica/se-tudo-depender-de-mim-nao-seria-este-regime-diz-bolsonaro-24891463
(2) SANTOS, W. G. A democracia impedida:
o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
(3) BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia (uma defesa das regras do jogo). Trad. Marco Aurélio
Nogueira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 171 p.
(4) PIKETTY, Thomas. O capital no século
XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014
(5) “Nova direita se tornou canal de
protesto contra os governos e a política’’, diz historiador
argentino Pablo Stefanoni –
https://oglobo.globo.com/mundo/nova-direita-se-tornou-canal-de-protesto-contra-os-governos-a-politica-diz-historiador-argentino-pablo-stefanoni-25267351
(6) O anti-sistema (por Boaventura de
Sousa Santos) –
https://sul21.com.br/opiniao/2021/02/o-anti-sistema-por-boaventura-de-sousa-santos
(7) A solução para a crise da
democracia é mais democracia –
https://www.facebook.com/profile/100044641920108/search/?q=crise%20da%20democracia
(8) ARISTÓTELES. Política. São Paulo:
Martin Claret, 2002
(9) ROUSSEAU, Jean Jacques – Discurso
sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens /
Jean Jacques Rousseau; [introdução de João Carlos Brum Torres];
tradução de Paulo Neves. – Porto Alegre, RS : L&PM, 2008.
(10) CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas de
Caritat, Marquis. Esboço de Um Quadro Histórico dos Progressos do
Espírito Humano. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas,
SP: Editora da UNICAMP, 1993, p. 191.
(11) BABEUF, Gracchus. Manifesto dos
Iguais, 1796. Disponível em:
https://www.fafich.ufmg.br/hist_discip_grad/Babeuf_ManifIguais.pdf
(12) A Desigualdade Mata –
https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/a-desigualdade-mata/
(13)A solução para a crise da
democracia é mais democracia –
https://www.facebook.com/profile/100044641920108/search/?q=crise%20da%20democracia
(14) ARENDT, Hannah. A condição humana.
Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2007.
(15) idem.
(16) BOBBIO, op. cit.
(17) ARAÚJO, Prata; CORGOSINHO, Ivanir.
Contagem Iluminada. Um balanço do primeiro ano do primeiro ano do
governo Marília Campos e perspectivas pra os próximos três anos,
2022. 127 p.
Urbanidade, valores progressistas e voto:
uma aproximação
O propósito deste artigo é provocar uma
reflexão sobre os efeitos de uma vida urbana dinâmica e inclusiva
sobre a cidadania e, consequentemente, no fomento de valores
progressistas, de esquerda e, até mesmo, socialistas.
Esta provocação é inspirada na
produção intelectual de outros autores que, em pesquisas sobre
resultados eleitorais na Europa, nos EUA e, mais recentemente no
Brasil, têm observado uma relação entre o voto em partidos mais à
esquerda do espectro político e o eleitor dos maiores centros
urbanos, concomitantemente a uma maior incidência de votos nos
partidos mais conservadores e à direita do espectro político nos
municípios menores e de caraterísticas rurais.
Esta parece ser é uma tendência muito
nitida nos EUA, especialmente a partir do governo Trump; bastante
desenvolvida em eleições mais recentes em vários países da Europa
(França, Suíça, Áustria, Reino Unido, Tchéquia, Polônia) e já
poderia ser percebida na América do Sul e no Brasil, conforme estes
estudos.
Cito, como exemplo, um levantamento
realizado por professores do Laboratório Espaço Público e Direito
à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo sobre as eleições presidenciais
brasileiras deste ano:
“As maiores diferenças a favor de Lula
ocorrem no Amazonas e no interior da região Nordeste, mas também há
áreas com mais votos em Lula no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.
Nas áreas rurais de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, o voto
bolsonarista tem uma vantagem menor sobre o voto em Lula. Bolsonaro
tem vantagem mais ampla na chamada fronteira agrícola (norte de Mato
Grosso e Rondônia) e também nos estados de Roraima e no litoral de
Santa Catarina”, diz o artigo (1).
Os esforços para oferecer uma explicação
política e sociológica para este fenômeno têm trabalhado com o
pressuposto que, nos grandes centros urbanos, o individuo é levado a
coexistir e a se relacionar com o seu outro diferente com mais
frequência; possui à sua disposição um conjunto maior de recursos
(constatação que vale inclusive para os mais pobres), tem mais
acesso à informação e vê ampliada a sua liberdade de escolha.
O grande centro urbano se distingue,
neste sentido, do microcosmo interiorano e rural com seu ritmo lento,
tendencialmente avesso a mudanças; onde todos se conhecem (e se
vigiam) e onde a formação de opinião é mais fortemente
condicionada pela tradição e pelo costume. É também uma
característica dessas regiões que o voto seja mais orientado pelas
relações de compadrio e clientela.
A cidade grande se opõe, por definição,
à uniformidade de pensamento e se abre natural e forçosamente para
uma efervescência que cria um ambiente de sociabilidade em tudo
favorável à formação de indivíduos mais propensos a aceitar e a
conviver com o diferente e com mudanças comportamentais, morais e
dos costumes.
A professora de Relações Internacionais
da Universidade da Califórnia, Barbara Walter, autora do badalado
“Como as guerras civis começam – e como impedi-las”, aduz que
a clássica separação urbano-rural tem ficado mais profunda nesta
era de globalização e inovação tecnológica à “medida que as
indústrias mais lucrativas e dinâmicas — nos setores de finanças,
tecnologia e entretenimento — se concentram cada vez mais nas
cidades”. Ela acredita que, com o abandono do interior pelos
jovens, os remanescentes das comunidades rurais serão cada vez mais
velhos, menos instruídos e mais ressentidos com as elites urbanas
(2).
Neste sentido, vale resgatar a observação
do historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant sobre as
origens da filosofia grega e do racionalismo na velha Atenas. Para
Vernant, estas criações só foram possíveis com a reinvenção da
polis, a partir da revolução popular liderada por Clístenes em 508
a.C.
De forma inédita, o governo de Clístenes
reformulou a constituição ateniense assegurando a todos os cidadãos
(independentemente do critério de renda), o direito de participar da
Eclésia (Assembleia Popular) e de ocupar cargos públicos,
possibilidades antes restritas aos membros da aristocracia (3). Ao
mesmo tempo, as antigas quatro tribos (4) que, desde sempre,
comandavam a cidade, foram desmontadas e reorganizadas em 100 demos
distribuídos em três territórios interdependentes que passaram a
ser a base do sistema de governo.
Era o fim da organização gentílica do
poder. Os vínculos de consanguinidade foram substituídos por
relações de pertença geográfica e uma nova cidade, mais popular,
mais democrática e mais diversa, nasceu.
Jean-Pierre Vernant argumenta que estas
transformações no espaço da polis, em oposição às divisões,
facções e clientelas rivais que enfraqueciam a cidade, levaram a
uma transformação “completa das categorias mentais do homem
grego”. Por isso, afirma Vernant, o advento da razão e da
filosofia é um produto da vida urbana: a filosofia é “filha da
cidade”, sustenta. (5).
Estendendo este raciocínio, pode-se
dizer que não é por coincidência que o PT é um filho das grandes
cidades. De fato, o partido se constituiu como força política e
eleitoral a partir dos grandes centros. As eleições de 2022
confirmam este perfil que não foi alterado sequer nas eleições de
2018, quando apesar de Haddad perder em todas as capitais, o partido
obteve suas maiores votações nos grandes centros.
Por suposto, como uma proposta de
investigação e insumo teórico para a ação política, esta tese
precisa ser matizada. Obviamente, o fato de viver num grande centro
não torna o indivíduo, automaticamente, um cidadão de esquerda,
assim como o fato de morar no campo não leva, necessariamente, uma
pessoa a ser de direita. De mais a mais, basta lembrar que na região
Sudeste, onde o Lula levou a melhor, Bolsonaro venceu em três das
quatro capitais: Belo Horizonte, com 54,25%; Rio de Janeiro, com
52,66%; e Vitória, com 54,70%. Em São Paulo, Lula levou a vantagem
com 53,54%.
Esses resultados, aparentemente
contraditórios, precisam ser explicados à luz das ações e as
escolhas dos atores no curso da disputa concreta em cada centro
urbano, e por fenômenos como, entre outros, a emergência e
consolidação do nacionalismo cristão, que se mostrou eficiente na
cooptação dos segmentos mais pobres nas periferias das maiores
cidades.
Todavia, aceitando-se como hipótese que
a vida urbana oferece maior resistência ao conservadorismo, trata-se
de impulsionar — desde os movimentos sociais até os gestores de
políticas públicas — iniciativas que promovam a ampliação da
coexistência entre os diferentes, a ocupação e o engajamento das
pessoas no espaço urbano.
Noutras palavras, trata-se de incentivar
a urbanidade como fator de fomento da cidadania.
O termo urbanidade traduz a convivência
tolerante, afetiva e solidária entre as pessoas em público. Neste
sentido, remete a uma vida coletiva na qual os conflitos do cotidiano
são tratados de modo educado, civilizado e têm suas soluções
pactuadas em processos de negociação entre as partes com base em
critérios mutuamente aceitos como justos. A urbanidade é, assim,
uma função que pode fazer muita diferença na educação e na
formação do ser social e, também, do ser político.
Ao marcar presença no espaço público,
oferecendo à população oportunidades de lazer, esporte,
entretenimento, cultura e também (por que não?) de espaços para a
participação política e de decisão sobre os rumos da cidade, como
fez Clístenes, o Poder Público está incentivando a urbanidade e,
portanto, contribuindo para o desenvolvimento de valores que importam
à democracia e à cidadania.
Esta é uma ação especialmente
necessária nos tempos atuais quando a urbanidade se encontra em
crise; os espaços públicos são, quase sempre, associados a
situações de perigo e a política vem sendo contaminada pelo
desprezo aos direitos humanos e sociais.
NOTAS
(1) Mapas eleitorais mostram vitórias de
Lula e Bolsonaro, mas escondem disputas, Por Pedro Rezende, Aluízio
Marino, Pedro Lima e Raquel Rolnik,
http://www.labcidade.fau.usp.br/mapas-eleitorais-mostram-vitorias-mas-escondem-disputas.
(2) WALTER, Barbara F. Como as guerras
civis começam – e como impedi-las. Trad.: Berilo Vargas. São
Paulo: Zahar Editora, 2022.
(3) Sempre bom registrar que o conceito
de cidadão em Atenas estava restrito aos homens maiores de 21 anos,
filhos de pai e mãe atenienses. Mulheres, estrangeiros e escravos
estavam excluídos.
(4) Dóricos, Aqueus, Jônicos e Eólicos.
(5) VERNANT, Jean-Pierre. As origens do
pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da Fonseca. 3. ed. São
Paulo: Difel, 1981.
A experiência dos conselhos de
participação no governo Marília Campos
Um bom governo é aquele que produz
convergências entre as demandas e necessidades das pessoas, suas
aspirações e desejos e as diretrizes, programas, projetos e ações
dos governantes. Desde este ponto de vista, a incorporação da
participação cidadã como método de gestão pública é a melhor
forma de aprofundar a compreensão governamental da realidade local e
pactuar soluções que levem à construção de uma cidade, de fato,
melhor para todos.
Esta tem sido uma das principais
diretrizes das gestões Marília Campos (PT) no município de
Contagem, tanto em seus dois primeiros governos (de 2005 a 2012),
quanto na atual administração, com a profusão de ofertas de
oportunidades de participação que temos oferecido. Entre ela,
destaco neste artigo, o inovador sistema de eleição de conselheiros
por territórios — inovador, exaustivo e, realmente,
impressionante!
A administração municipal é organizada
com base em oito regionais administrativas (1). Cada uma delas é
dividida em microrregiões, num total de 68. Pois bem. A eleição
dos atuais conselheiros aconteceu durante o mês de junho último, em
votações presenciais realizadas em reuniões plenárias nessas 68
microrregiões e em seis coletivos temáticos para cada regional
administrativa: juventude, mulheres, feirantes,
empresários/comerciantes e associações comunitárias. Foram mais
de 10 mil votantes em 120 plenárias que elegeram 198 conselheiros
titulares e 149 suplentes para o biênio 2023/25. Nada menos que 397
candidaturas se apresentaram para a competição e foram até o final
do processo.
As tabelas a seguir traduzem a pujança
deste sistema.
Os conselhos são importantes canais de
comunicação do governo com os sujeitos ativos da comunidade. Por
meio deles, a administração pode “escutar” moradores, segmentos
religiosos, empresários, movimentos sociais, etc. e se informar
sobre as obras, serviços, melhorias e investimentos que a população
julga mais necessários. Desde este ponto de vista, antes de ser uma
questão ideológica, de esquerda ou de direita, a promoção da
participação é uma medida de caráter liberal e de inteligência
politica à medida que favorece entregas “on demand”, por assim
dizer. Por consequência, melhora a qualidade do gasto, gera
satisfação e contribui com a formação de uma opinião pública
favorável ao governo.
Ainda assim, a promoção de políticas
municipais participacionistas interessa mais aos setores
progressistas e de esquerda do campo político que às forças
conservadoras e de direita. É que, no município, as interações
sociais entre os indivíduos e grupos de indivíduos são mais
intensas e as relações entre os eleitores e os eleitos ao Executivo
e ao Legislativo são mais próximas que nos níveis estadual e
federal. No município é mais fácil cobrar promessas de campanha,
fiscalizar o andamento de obras e/ou a qualidade dos serviços e,
eventualmente, denunciar a má utilização dos recursos públicos.
Portanto, mais que nos níveis estadual e federal de governo, a
esfera municipal é especialmente propícia ao exercício da
cidadania, à construção da democracia e à realização de
experimentos democráticos.
Por essa razão, interessa a todo o campo
popular, progressista e de esquerda da cidade e do país (quiçá do
planeta) que esta contribuição do governo Marília Campos à defesa
e aperfeiçoamento da democracia seja fortalecida e preservada.
Noutras palavras, é importante que o chamado Sistema Municipal de
Participação Popular de Contagem – SMPPC deixe de ser apenas uma
“política de governo” e seja convertido em “política de
Estado”.
Não é o propósito deste artigo se
aprofundar demais neste tema. Mas, algumas palavras são necessárias
para que se possa distinguir uma e outra espécie de política.
Política de governo – são aquelas
deliberadas unilateralmente pelo governo em exercício a partir das
demandas e necessidades de sua própria agenda. Portanto, ainda que
complexas e de forte impacto, não passam, necessariamente, pela
aprovação da Câmara Municipal e de outros fóruns de decisão. Por
consequência, não são obrigatórias para o governo seguinte e
podem ser descontinuadas.
Políticas de Estado – naturalmente,
uma política de Estado tende a ser do interesse do governo em
exercício. Entretanto, sua aprovação tramita pelo Legislativo e
eventualmente pelo Judiciário, pelo Ministério Público, por
agências reguladoras e outros fóruns. Ao final do trâmite, ocorre
a sanção na forma de uma norma jurídica de caráter vinculante e,
portanto, obrigatória para os governos seguintes. Tais políticas
têm, além disso, recursos previstos no Orçamento e estão
submetidas ao controle social.
Concluindo, seria importante que o
governo municipal instaurasse um processo de diálogo com a
comunidade e com a Câmara dos vereadores tendo em perspectiva a
elaboração de um projeto de lei que institucionalize os conselhos
territoriais, disponha sobre seus objetivos, determine o prazo de seu
mandato e fixe os recursos orçamentários que poderá dispor. Desta
maneira, a população do município poderá se sentir mais segura de
que, no futuro, continuará a exercer a influência que exerce hoje
sobre os rumos do Executivo municipal.
NOTAS
1 – Eldorado, Industrial, Petrolândia,
Nacional, Riacho, Ressaca, Sede e Vargem das Flores.
A requalificação do Poder Local em
Contagem
A assim chamada “globalização”,
cujo fim vem sendo anunciado já há algum tempo por autores das mais
diversas matrizes ideológicas, foi um processo de concentração e
fusão extremada de capitais. Impulsionadas pelas Novas Tecnologias
de Informação e Comunicação (NTIC), as empresas transnacionais –
em especial as estadunidenses — viram crescer suas chances de
controle dos mercados mundiais e apostaram numa “nova ordem
mundial” marcada pela irrelevância dos governos nacionais como
instâncias reguladoras da economia e atores principal nas relações
internacionais, e no fim das fronteiras estabelecidas pelos mercados
locais.
De acordo com os defensores dessa nova
ordem, o arranjo internacional estabelecido pelo Tratado de Paz de
Vestfália (1648), cujo grande pilar de sustentação foram os
Estados nacionais, tornou-se ineficiente ante aos novos atores
sociais emergentes, tais como os blocos comerciais, ongs e os
empreendedores individuais e frente, ainda, à agilidade e
flexibilidade permitidas pelas modernas tecnologias de
miniaturização, processamento e distribuição de dados. Assim, em
sua dimensão política, a globalização significou um ataque
frontal à soberania dos Estados-nação; uma ameaça a identidades e
pertenças basilares, como as nacionalidades e, finalmente, um
desastre para os negócios nativos nos países de economia periférica
e subordinada, particularmente no caso da indústria.
A reação — previsível — à
globalização veio, naturalmente, pelo fortalecimento de seu oposto.
Por toda a parte no mundo ocidental, tivemos a retomada do
nacionalismo, da apologia aos estados nacionais fortes, e o
crescimento dos movimentos sociais respectivos a estas ideias,
especialmente no campo político de direita e de extrema-direita.
Provavelmente, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit),
em 2016, seja o melhor exemplo deste fenômeno de reversão.
Neste ambiente, também ganhou espaço
aquilo que Milton Santos chamou de “retorno do território”(1),
ou seja, uma espécie de novo municipalismo que identificou as
cidades como lugar mais favorável à realização dos direitos
fundamentais dos cidadãos e para a realização de experimentos
democráticos que levassem ao aperfeiçoamento da democracia
representativa via a adoção de mecanismos de participação direta.
Como registrou Ladislau Dowbor, “nem
tudo é global: a qualidade das nossas escolas, das nossas ruas, a
riqueza cultural da nossa cidade, o médico da família, as boas
infraestruturas de esporte e lazer, o urbanismo equilibrado, tudo
isso depende iminentemente de iniciativas locais” (2). A
participação da população nas decisões públicas que dizem
respeito às demandas da comunidade contribuiria para dar maior
legitimidade e eficiência às ações do governo; com o adensamento
de uma cultura democrática e cidadã e, enfim, para a maior
transparência e lisura no trato com a coisa pública.
No caso do Brasil, como observam diversos
autores, este projeto esbarra tradição clientelista que ainda
caracterizam as práticas políticas em âmbito municipal.
Como se sabe, o clientelismo é forma de
intermediação de interesses que remonta ao período colonial e que
chegou aos dias atuais aproveitando-se da ampliação do campo de
atuação dos municípios, determinada pela Constituição de 1988.
Com efeito, a Carta Magna elevou o
município à condição de ente federado, mudando seu status e
importância na efetivação de políticas públicas. Determinou,
ainda, uma forte descentralização de grande parte dos serviços
públicos transferindo para a alçada municipal a competência para
resolver assuntos relacionados com o saneamento básico, saúde,
transporte público e ensino fundamental. Naturalmente, este
incremento da quantidade de benefícios que o município passou a
oferecer, significou também um acirramento da disputa entre os
atores do Poder Local pelo controle de sua repartição.
É necessário ressalvar que o Poder
Local, como qualquer poder, é uma correlação de forças que
envolve sujeitos e interesses diversos (políticos, empresários,
lideranças e movimentos sociais, lobistas, etc.), envolvidos em
dinâmicas de competição e cooperação, alianças e conflitos(3).
Não diz respeito, portanto, apenas à Prefeitura ou à Câmara de
vereadores, mas às múltiplas instituições sociais atuantes no
território e suas estratégias de ação – entre elas, inclusive,
o clientelismo como meio legítimo de formação de capital politico.
Dai ser fundamental que, chegando ao
poder, os partidos de vocação republicana, democráticos e
populares, promovam a participação popular e assegurem a
universalidade do acesso aos serviços, obras e investimentos
públicos, evitando que apenas os eleitores deste ou daquele político
seja beneficiado. A participação é um direito estabelecido da
cidadania, e como observou o professor Bruno Reis, “cabe às
instituições, e à elite política, não apenas proteger esse
direito, mas propiciar meios suficientemente diversificados para seu
pleno exercício, e tomar as providências devidas para dar-lhe
consequência” (4).
Bruno também observa que, no Brasil, o
PT é a força política que mais tem produzido inovações
institucionais tanto pela multiplicação das instâncias de
representação política quanto pela promoção de novos
protagonistas. “(…) embora a proliferação de conselhos já
fosse uma tendência identificável na transição desde meados dos
anos 1980, essa tendência se acelera e a presença de representantes
da ‘sociedade civil’ intensifica-se sob administrações
petistas”(5), afirma o professor.
Esta ação — a proliferação de
fóruns de participação e o empoderamento de novos atores —tem
como efeito requalificar o Poder Local ao torná-lo mais diverso,
mais plural e ao criar um polo de influência capaz de atrair
parcelas dos atores tradicionais. É, por exemplo, o caso de
vereadores que participam do processo de mobilização popular pra
eleger representantes aos fóruns de participação ou a adoção,
pelas Câmaras, de práticas participativas como ocorre em Contagem.
Feitas tais considerações, devemos
compreender que, provavelmente, por mais que os métodos de gestão
sejam modernizados, o clientelismo dificilmente desaparecerá já que
é uma estratégia eficiente na formação de reservas de mercados
eleitorais. Ainda assim, as experiências de Contagem, tanto nos dois
primeiros governos de Marília Campos (2005 a 2012), quanto agora,
com sua volta à Prefeitura mostram que a abertura de canais de
participação popular nos processos de decisão e o incentivo à
auto-organização da sociedade civil, com consequente reforço do
controle social e da transparência, têm o condão de inibir o essas
práticas. Mais que isso, contribuem para a requalificação das
relações o Poder Local em função da publicização das
negociações políticas, do acirramento da competição com a
chegada de novos atores e pela constituição de mecanismos de
accountability mais eficientes.
NOTAS
(1) SANTOS, Milton. O retorno do
territorio. En: OSAL : Observatorio Social de América Latina. Año 6
no. 16 (jun. 2005). Buenos Aires : CLACSO, 2005.
(2) DOWBOR, Ladislau. O que é poder
local? 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. Disponível em:
<http://dowbor.org/artigos/01repsoc1.pdf>.
(3) FISCHER, Tânia. Poder local: um tema
em análise. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v.
4, 1992, p. 105-113.
(4)REIS, Bruno P. W. Da democracia
participativa à pluralidade da representação: breves notas sobre a
odisseia do PT na política e na ciência política brasileira.
Revista Sociedade e Estado – Volume 29 Número 1 Janeiro/Abril 2014
113.
(5) Idem
O fisiologismo como método de governo
No Brasil, como na maioria dos países
presidencialistas, a Constituição Federal concentra no Executivo
uma grande quantidade de poderes – inclusive legislativos. Em
função disto, há até pouco tempo, eram comuns as referências ao
presidencialismo brasileiro como um tipo de “presidencialismo
imperial” ou “hiper-presidencialismo” no qual quase todas as
iniciativas importantes em termos de definição de políticas
públicas e prioridades orçamentárias ficariam com o presidente da
república (1).
Este poder de agenda, entretanto, apenas
foi viabilizado graças ao assim chamado “presidencialismo de
coalizão” – fórmula para solucionar o sistemático problema da
eleição de presidentes sem maioria parlamentar.
A receita do presidencialismo de
coalizão, como explica o sociólogo Sérgio Abranches, criador do
conceito (2), consiste em, no pós-eleição, compor uma aliança
política com alguns poucos partidos de grande porte, mediante a
partilha de ministérios e recursos públicos conforme a
representatividade de cada agremiação, medida em número de
parlamentares eleitos. Neste esquema, a liberação de emendas
parlamentares serve como incentivo adicional para que deputados e
senadores votem com o governo.
Em anos mais recentes, entretanto, esta
fórmula tem perdido eficiência, por várias razões e, todas elas,
levando a uma gradual transferência de poderes do Executivo para o
Congresso Nacional.
A principal razão para esta mudança é
de natureza estrutural. Está relacionada à legislação eleitoral e
partidária que, até a aprovação da Emenda Constitucional nº 97,
em 2017, favoreceu a ampla fragmentação da representação
partidária, com a consequente redução do espaço disponível para
os maiores partidos. Este processo atingiu a seu auge em 2018, quando
o número de legendas com direito a acesso a recursos públicos
chegou a 30, na Câmara dos Deputados. Em 2010, eram apenas 22
legendas (3).
Em segundo lugar, o enfraquecimento do
presidencialismo de coalizão tem como causa a guinada autoritária e
golpista de parte significativa das elites nacionais. Este movimento
de virada à direita inciou-se com a tentativa de criminalização do
governo Lula no episódio do “Mensalão” e teve seguimento com o
impeachment de Dilma ao final de um longo processo de enfrentamentos
entre um Executivo enfraquecido e um Congresso declaradamente hostil
— Eduardo Cunha à frente.
Finalmente, o enfraquecimento do
presidencialismo de coalizão tem como explicação provável a
ausência de um projeto de nação articulado e consistente por parte
dos presidentes que sucederam a indomável Dilma Rousself. Temer, sem
a legitimidade conferida pelas urnas, rendeu-se rapidamente ao
Congresso e tratou de minimizar o peso do Executivo, praticando o que
ele próprio chamou, em repetidas ocasiões, de
“semipresidencialismo”. Quanto a Bolsonaro, jamais lhe ocorreu
desenvolver um projeto propositivo de nação. Sem preparo, vocação
ou paciência para os assuntos da gestão pública, o capitão
isolou-se com seus devaneios totalitários e, de bom grado, cedeu aos
presidentes da Câmara e do Senado o trabalho de coordenação da
coalizão parlamentar da base do governo, deixando o Congresso ainda
mais poderoso.
Por conclusão, há uma brutal distancia
entre o Congresso com o qual FHC ou Lula conviveram no passado e o
atual. Esta distância é marcada, em primeiro lugar, pelo real
fortalecimento do Congresso que, no período que vai do início da
crise com o governo Dilma até a eleição de Bolsonaro, aprovou uma
série de resoluções no sentido que cercear o “poder imperial”
do Executivo. Entre essas disposições, estão a limitação do
número de reedições das medidas provisórias; a transferência do
controle das emendas parlamentares não obrigadores das mãos do
Executivo para os presidentes das duas casas legislativas e de
lideranças próximas; os vetos presidenciais passaram a ser
derrubados com maior frequência, etc (4).
Por outro lado, o Congresso empoderado
que emerge da crise do presidencialismo coalizão não é um fórum
iluminista, republicano e progressista. É um congresso comprometido
pelo processo de fragmentação partidária e já contaminado, na sua
base, pelo fisiologismo do Centrão e do baixo clero.
O termo “Centrão” nasceu na
Constituinte de 88 para designar um grupo de parlamentares que se
classificavam como centro na disputa política entre esquerda e
direita, não se alinhando ideologicamente com qualquer dos dois
campos. Nas votações, o grupo de uniu sob a liderança do então
deputado Ricardo Fiuza (PFL/PE). Sem constituírem propriamente um
corpus doutrinário, ideológico ou programático, os deputados deste
grupo tornaram-se conhecidos por seu pragmatismo político e pela
capacidade negociar benefícios pessoais em troca de apoio ao governo
no Congresso – de preferência, recursos orçamentários para seus
redutos eleitorais e nomeações de aliados em cargos federais,
configurando o famoso “toma lá, dá cá”.
Esse jogo sofreu uma importante inflexão
no curso da queda de braço entre o Congresso e o Executivo no
governo Dilma. Os deputados do centrão vislumbraram a possibilidade
de controlarem, individualmente, uma parcela maior do orçamento.
Assim, já em 2015, aprovaram, via Emenda
Constitucional, as “Emendas Impositivas” (EC 86/2015). Em 2019,
chegaram a aprovar o famigerado Orçamento Secreto, felizmente
declarado inconstitucional pelo Supremo. Mas, naquele mesmo ano,
aprovaram o instituto das emendas impositivas de bancada (EC
100/2019).
As consequências dessas iniciativas são
de duas ordens. Em primeiro lugar, comprometem a capacidade do poder
do Executivo de implementar políticas de longo prazo e de alcance
estratégico para o desenvolvimento do país. Como já deixou claro o
atual grande líder do Centrão e presidente da Câmara dos
deputados, Arthur Lira, a vontade dos parlamentares é que fatias
cada vez maiores do Orçamento sejam gastas sob a forma de emendas
parlamentares, e não em políticas públicas do governo federal. A
tendência, desta forma, é a predominância da ineficácia no uso
dos recursos públicos com gastos espraiados numa miríade de
empreendimentos regionais e, até paroquiais, sem coordenação
federal e com maior dificuldade para a fiscalização.
Em segundo lugar, o debate politico e o
convencimento tornaram-se desnecessários já que cada deputado e
cada senador passou a contar com seu próprio orçamento, em montante
suficiente para financiar suas máquinas eleitorais particulares sem
que tenham que atender a quaisquer condicionalidades. Dessa forma,
passamos a ter um parlamento onde cada uma das 594 cabeças de
parlamentares é, literalmente, uma “partido” com interesses
próprios. Por um lado, é o paraíso para os lobistas que nunca
tiveram tão boas condições para tramitar seus projetos. Por outro,
a extrema pulverização do processo decisório leva,
inevitavelmente, a um considerável aumento dos custos da
governabilidade num congresso que já é um dos mais caros do mundo.
(1) LIMONGI, Fernando de Magalhães
Papaterra e FIGUEIREDO, Argelina. Poder de agenda e políticas
substantivas. Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009.
(2)ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo
de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 5-38, 1988.
(3) Fragmentação de partidos, recorde,
é aberração mundial –
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/fragmentacao-de-partidos-recorde-e-aberracao-mundial.shtml
(4) Presidencialismo de coalizão tem
exigido mais e entregado cada vez menos –
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/07/presidencialismo-de-coalizao-tem-exigido-mais-e-entregado-cada-vez-menos.shtml
Estrutura urbana e interação social:
cidade, espaço e tempo
“Em Cloé, grande cidade, as pessoas
que passam pelas ruas não se conhecem. Ao verem-se imaginam mil
coisas umas das outras, os encontros que poderiam verificar-se entre
elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as ferroadas. Mas
ninguém dirige uma saudação a ninguém, os olhares cruzam-se por
um segundo e depois afastam-se, procurando novos olhares, não
param”.
Italo Calvino, em Cidades Invisíveis.
Cidades Invisíveis é uma joia rara. O
próprio autor, Italo Calvino, um cubano que se tornou um dos mais
importantes escritores italianos do século passado, se refere a este
livro como a sua obra mais completa, síntese mais que perfeita de
suas “reflexões, experiências e conjecturas”.
A trama, para quem ainda não teve a
oportunidade de ler este livro, trata da busca por uma cidade ideal
nos tempos medievais de Marco Polo. O lendário navegador veneziano
descreve ao imperador Kublai Khan, neto do grande Genghis Khan, as
cidades que teria visitado em suas viagens. O propósito é propiciar
ao Khan elementos para a construção tanto um modelo positivo a ser
perseguido quanto o vislumbre das possibilidades negativas a serem
evitadas, de acordo com seus objetivos.
O mais interessante nesta história é
que Marco Polo não apresenta as cidades a partir das vantagens
competitivas oferecidas por suas posições geográficas, condição
climática ou riquezas naturais. O que o navegador ressalta é a
experiência humana de cada uma delas; as relações sociais
dominantes em decorrência da proposta de convivência que organiza
os encontros e a convivência entre as pessoas e edifica a cidade,
levando a eventuais contradições, problemas e angústias típicos
das grandes cidades atuais. Cidades Invisíveis é uma grande
metáfora.
Entre as 55 cidades (todas elas com nomes
femininos) citadas por Marco Polo está Cloé, onde a velocidade não
permite que as pessoas se conheçam, que o diálogo entre os
indivíduos se estabeleça e que as fantasias e intenções de uns em
relação aos outros se realizem no plano factual.
Em Cloé, o espaço urbano só existe sob
a forma de um turbilhão humano onde há proximidade física, mas não
acontecem aqueles momentos de imobilidade necessários à conversação
e ao diálogo, ao olho no olho, ao flerte e à sedução.
Portanto, não há, em Cloé, a produção
do afeto como sentimento fundante de relações que tornam possíveis
as memórias e os sentimentos de pertença e identidade. Neste
sentido, Cloe é um “não lugar”, ou, em outras palavras, é
apenas um lugar de passagem para um bando de transeuntes apressados
que podem até formar uma multidão (ou uma turba) mas, jamais,
constituirão um grupo social. Menos ainda mais uma civitas!
Ora, nós, seres humanos, somos “animais
sociais”. Isso significa que somos propensos, isto é,
geneticamente programados para vivermos em comunidade e, não por
outro motivo, em Cloé, ao se enxergarem, as pessoas imaginam como
seriam “as conversas, as surpresas, as carícias, as ferroadas”.
A interação acontece, ainda que nos sonhos.
Na vida real, a quantidade e a qualidade
das interações que estabelecemos são decididas pelas
características da estrutura urbana que nos coloca em contato uns
com os outros. Em outras palavras e simplificando a equação, a
estrutura oferecida por uma via de trânsito rápido não permite as
mesmas oportunidades de interação que podem ser encontradas em uma
praça, por exemplo.
A primeira, muito típica das grandes
metrópoles atuais, aponta para a fragilidade e solidão das pessoas
imersas na multidão indistinta, onde cada um e cada uma são apenas
passantes facilmente esquecíveis. A segunda, fala de encontros,
partilhamento de experiências e sentidos, da produção de memórias
e, enfim, de vida comunitária.
Atualmente, em Contagem, estas duas
concepções e possibilidades de cidade encontram-se em discussão e
passam por uma espécie de escrutínio. Evidência deste debate são
os comentários do tipo “gasta com shows mas a saúde tá um caos”
ou “praça não é prioridade”, que podem ser encontrados nas
redes sociais da prefeita (1). Ainda que legítimas, opiniões deste
tipo cometem o pecado de perceberem o governo como um mero prestador
de serviços on demand, ou seja, conforme as necessidades do
reclamante que, invariavelmente, é individualizado, imediatista e
“não está nem ai” para o conjunto de variáveis influentes na
oferta dos serviços públicos e, mais que isso, para o planejamento
dessa oferta, ou seja, para o futuro desses serviços, seu
financiamento e sustentabilidade vis a vis a projeção da demanda
coletiva.
As palavras-chave neste problema são
futuro e coletivo. Por definição, uma cidade é o lugar onde as
pessoas, por mais antagonistas que sejam, podem imaginar um futuro
comum feliz e isso não é possível se não tiverem a chance de
compartilharem seus sonhos, de negociarem soluções para os
conflitos que têm que entre si e de pactuarem compromissos de
realização solidária e corresponsável.
Não obstante, a história humana
demostra — com abundância de exemplos — que o desenvolvimento
natural, ou espontâneo, das sociedades reflete o resultado dos jogos
de competição e cooperação entre os atores sociais, com seus
ganhadores e perdedores. Por consequência, o desenvolvimento das
sociedades humanas, tal como ocorre livremente, é um desenvolvimento
excludente, segregador e produtor de pobres e ricos, de privilegiados
e oprimidos.
É um desenvolvimento no qual o futuro
pode até ser comum, mas só é feliz para alguns. É ai que entra a
política.
O papel da política é interferir nesta
disputa de modo a equilibrar a competição e propiciar uma
distribuição mais equânime dos quinhões de felicidade. Como
observou Aristóteles
“toda cidade é uma espécie de
comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois
todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que
lhe parece um bem; se todas as comunidades visam algum bem, é
evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as
outras, tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de
todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade politica” (2).
A sabedoria da prefeita Marília Campos
consiste em haver recuperado as noções aristotélicas de cidade e
de política como meios para a produção do bem comum. A politica,
de fato, nada mais deve ser que um instrumento para aproximar o que a
vida social afasta e produzir vida coletiva sob a forma de cidade.
Além disso, a prefeita compreendeu que os processos de aproximação
são mais produtivos, e têm efeitos mais profundos na alma humana,
em situações não instrumentais, nas quais não há conflito de
interesses e podem ocorrer trocas simbólicas. Dai a importância do
lúdico e da cultura como meios para o distensionamento do cotidiano
e desenvolvimento da urbanidade.
A urbanidade, bem entendido, emerge do
modo como produzimos as condições para o encontro entre os
diferentes e está na base do desejo de um futuro comum.
É este o sentido mais profundo da cidade
“mariliana” e sua aposta na oferta de generosas oportunidades
para o encontro, para a convivência e a interação entre as
pessoas. É este o sentido das praças, do shows, das academias de
ginástica ao ar livre, das corridas, dos parques etc. São políticas
púbicas públicas destinadas a prover os meios necessários a uma
sociabilidade cotidianamente construída, gerando consciência,
reivindicações e ações.
(1) A prefeita mantém aberto o espaço
para comentários em suas redes sócias e, com frequência, os
responde pessoalmente. Suas redes são, por esta razão, um poderoso
fórum de debates e construção de opinião.
(2) ARISTÓTELES Política. Brasília:
UnB,1988.
Um governo de mobilização e luta por um
futuro bom e comum
A ideia de um governo de combate me veio
esses dias, observando a agenda da prefeita Marília Campos e os
comentários em suas redes sociais. É uma agenda intensa, com uma
grande variedade de eventos, forte presença na comunidade e que gera
comentários do tipo “Contagem tem Prefeita” “O trabalho não
para”, “Contagem no rumo certo!”, em franco reconhecimento do
trabalho que vem sendo realizado pela prefeita e seu governo. Mas,
também enseja uma grande quantidade de demandas, várias delas
procedentes, além de ataques à administração e à chefe do
Executivo, alguns legítimos, outros frutos da falta de informação
e da má-fé. Trata-se de um permanente estado de mobilização e de
luta, pensei cá com meus botões.
Entretanto, não creio que o termo
“governo de mobilização” esteja consagrado em algum manual de
Ciência Política. Pelo menos, não me recordo de tê-lo visto em
algum lugar.
Uma provável explicação para isso é
que a ideia da mobilização remente a conflito, ao passo que a ideia
de governo sugere uma situação de ordem e pacificação.
Mobiliza-se contra ou a favor de algo e, em ambos os casos, a
mobilização visa vencer resistências e satisfazer a uma
determinada demanda. Mobiliza-se para ganhar a eleição. Há
antagonismo. Mas, passado o momento da disputa eleitoral, o governo
eleito deve governar para todos e tentar diluir as desavenças graves
que impedem a formação de uma coalizão governamental capaz de
governar de fato.
Assim, de forma geral e, exceto, talvez,
nos casos de algumas experiências revolucionárias[1], não são
usuais governos que envolvam a população, de forma sistemática e
permanente em processos mobilizatórios, ainda que, topicamente, os
governos possam lançar mão desse recurso.
Os governos convocam as pessoas a se
mobilizarem, por exemplo, nas campanhas de vacinação – que são
contra uma doença, ou nas campanhas pró-matrículas escolares, que
afetam as famílias, conselhos tutelares, etc. Num sentido mais
amplo, é possível citar o Sistema Nacional de Mobilização
(Sinamob), inovação adotada pelo governo Lula em 2007, mas com
objetivos também tópicos: enfrentar situações catastróficas, de
crise internacional e de ameaças à soberania do país.
Estes exemplos refletem situações que
dependem do engajamento da população para se alcançar o resultado
desejado, mas esse engajamento tem finalidade específica, é
temporário e se faz dentro dos limites estabelecidos pela autoridade
promotora.
É necessário frisar que, até
recentemente, no campo Ciência Política, os processos de
mobilização popular eram vistos com desconfiança por gerarem
demandas que, do ponto de vista da intelectualidade conservadora, não
poderiam ser atendidas sob pena de descontrole orçamentário e, por
consequência, de crises que instabilizariam os regimes democráticos.
Nessa perspectiva, os golpes militares
que assolaram a América do Sul nas décadas dos 60 e 70 do século
passado chegaram a ser justificados por certos analistas como uma
solução inevitável para reequilibrar a relação entre a pressão
radicalizadas por direitos e a suposta baixa capacidade dos governos
de atenderem a essas demandas.
Um exemplo dessa linha de raciocino está
em Samuel Huntington, autor de grande influência no cenário
acadêmico brasileiro nos anos sessenta. Para Huntington, o acelerado
processo de urbanização e os aumentos nos índices de
alfabetização, educação e exposição aos meios de massa teriam
provocado “um incremento das aspirações e expectativas, as quais,
se não satisfeitas, galvanizam os indivíduos e os grupos para a
política. Na ausência de instituições políticas fortes e
adaptáveis, tais acréscimos de participação redundam em
instabilidade e violência” (2). O grifo é meu.
Compreende-se, desta forma, que o modo de
fazer mobilização social para os representantes mais conservadores
do poder público tenha sentido tópico, pontual, descontínuo e
inclua certa aversão ao envolvimento expansivo da sociedade e, em
especial, a qualquer sombra de autonomia civil.
Essa abordagem, que recomenda a
desmobilização da sociedade, passou a ser questionada a partir dos
anos 1980 devido à crise estrutural do modelo liberal de democracia
representativa (3). É o momento em que fervilham pesquisas sobre as
experiências participacionistas e sobre as influências positivas da
“cultura política” e do “capital social” (4) sobre a gestão
do Estado.
Essa produção, todavia, permaneceu
muito vinculada aos experimentos focados na questão orçamentária,
como no caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre. Portanto,
experiências limitadas no espaço e no tempo. Não que haja erro
nesta linha de pesquisa. Ao contrário, como observei em outro lugar,
o Orçamento Público está no centro dos conflitos de interesses em
nossas sociedades e não é exagero afirmar que toda a atual crise da
democracia não passa, em última análise, de uma consequência da
radicalização da luta entre os atores sociais por seu controle (5).
A abordagem econômica, entretanto, é
insuficiente para dar conta do conjunto de questões que envolvem a
vida coletiva na atualidade. Temas como o racismo, o sexismo e
preconceitos de forma geral, a pauta ambiental, a questão dos
direitos dos animais, o projeto de uma nação soberana, entre muitos
outros assuntos, esbarram em costumes e convicções arraigados e
assentados ao longo de gerações e que não serão mudados com a
simples melhoria das condições materiais de vida das pessoas, ainda
que este seja um passo indispensável na redução das desigualdades
sociais.
Assim, numa abordagem gramsciana,
qualquer projeto moderno, desenvolvimentista e socialmente inclusivo
de país — ou de cidade — deve se dispor a lutar pela hegemonia
sobre o grupamento ao qual se destina, numa abordagem que vá além
do terreno da economia. Sua meta central deve ser conquistar mentes e
corações; buscar consensos sustentados por valores humanistas e
civilizatórios e, enfim, criar e manter, permanentemente mobilizada,
sua base política e social de sustentação, a começar por seu
eleitorando, avançando progressivamente sobre as posições da
oposição, de modo a tornar-se não apenas uma força majoritária,
mas também uma força hegemônica no território considerado.
É este o sentido do conceito de
mobilização que defendo. A mobilização ocorre quando um grupo de
pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e age com um
propósito comum desejado por todos, ou quase todos, compartilhando a
interpretação e o sentido dessa busca. Por isso, o mobilizar-se é
um gesto de vontade e um ato racional. Já “mobilizar” é criar
situações que favoreçam o despertar do desejo de mudança, ajudem
esse desejo a se tornar uma consciência da necessidade de mudança
e, finalmente, levam à transformação desse desejo e dessa
consciência em disposição para a ação. É por esse caminho,
acredito, que se constrói uma base política e social de
sustentação.
Ainda recorrendo a Gramsci, compartilho
da ideia de que a supremacia de um grupo tanto se mede por seu poder
de fato e que o torna capaz de se impor, se necessário e, portanto,
como “domínio”, quanto por sua capacidade de cativar e
influenciar seus aliados, simpatizantes e neutros, portanto, como
“direção intelectual e moral”.
Guardadas as devidas proporções, não é
exatamente isso que é feito em Contagem e que a agenda da prefeita
revela
Em primeiro lugar, o governo exibe uma
musculatura invejável ao colocar em prática um poderoso plano de
ação, em todas as áreas, desde os investimentos em saúde,
educação, urbanização e infraestrutura, etc, até o novo plano
Diretor, que indica por onde passa o desenvolvimento da cidade. Neste
sentido, o governo age no sentido de insular a oposição –
especialmente aquela com a qual não há dialogo possível – e se
tornar a grande força política dominante na cidade.
Em segundo lugar, o governo Marília
Campos cria, de forma permanente, eventos que alteram o cotidiano das
pessoas e geram oportunidades para que elas se encontrem, interajam,
celebrem, reflitam e deliberem, num processo que vai desde a
valorização dos conselhos municipais de políticas públicas até
os granvdes shows que levam milhares de pessoas às praças, passando
pela adoção de formas inovadores de gestão participativa, como os
conselhos de moradores por territórios.
Assim, podemos dizer sem medo de erro,
que nossa cidade está, realmente, sob a direção de um “governo
de mobilização e luta por um futuro bom e comum”. Talvez no
futuro encontremos este conceito consagrado nos compendios da Ciência
Política.
NOTAS
[1] A exemplo de Cuba e seus Comitês de
Defesa da Revolução (CDR), dos sovietes russos nos primeiros anos
da tomada do poder pelos bolcheviques e da Revolução Cultural na
China de Mao Tsé-Tung
[2] HUNTINGTON, S. 1975. A ordem política
nas sociedades em mudança, 1975, p. 60. Rio de Janeiro/São Paulo :
Forense-Universitária/Edusp.
(3) BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia (uma defesa das regras do jogo). Trad. Marco Aurélio
Nogueira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 171 p.
(4) BOURDIEU, P. O capital social –
notas provisórias. In: CATANI, A. & NOGUEIRA, M. A. (Orgs.)
Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
[4) Corgosinho, Ivanir. Democracia,
participação e transparência no Governo Marília Campos, in:
Araújo, José Prata; Contagem feliz com Marília, 2023.
Democracia, participação e
transparência no Governo Marília Campos
A democracia, como realidade empírica,
está sujeita a múltiplas interpretações e a ser apropriada na sua
objetivação institucional, conforme os interesses dos atores
políticos em competição. Nesse sentido, a tão propalada crise da
democracia, mais que revelar alguma eventual limitação estrutural
de projeto, desnuda a duríssima disputa que, há algumas décadas,
vem sendo travada, por meios legítimos e ilegítimos, em escala
global, em torno dos termos do contrato que regula a convivência
pacifica dos diferentes grupos, classes e segmentos sociais. No
centro dessa disputa estão as instâncias de decisão sobre a
destinação da riqueza coletivamente produzida. É, entre outros, o
caso da luta pelo controle do Orçamento Público.
Como exemplo, no Brasil, o golpe
parlamentar que derrubou Dilma Rousseff da Presidência da República
em 2016, representou uma reviravolta conservadora na definição do
destino dos recursos públicos via a adoção das chamadas “políticas
de austeridade fiscal”. Naquele contexto, o financiamento da rede
de proteção social que ampara a maioria da população, sofreu uma
grave redução com a finalidade de viabilizar o aumento da
cota-parte da riqueza pública a ser abocanhada por alguns setores já
economicamente privilegiados. Um levantamento do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc) demonstra que a Emenda do Teto de Gastos (EC
95), aprovada após o impeachment, levou à redução das despesas
primárias de 55% para 47% do orçamento federal em 2017, ao passo
que os gastos com o setor financeiro subiram de 45% para 53% naquele
mesmo ano (1).
Obviamente, a luta pelo poder de decidir
a destinação aos recursos coletivos não se reduz à questão
orçamentária, embora oriente e organize o conjunto da disputa. O
sucesso da canalização preferencial de riqueza nacional para
determinadas mãos, implica a criação de obstáculos a que os
grupos subalternos e sub-representados possam se expressar e ampliar,
por quaisquer meios, sua capacidade de influência junto às
instâncias de decisão. Isso explica a feição autoritária do
conservadorismo, expressa nos discursos de intolerância, no
fechamento dos espaços de participação social, inclusive o
Conselho das Cidades, na apologia à militarização da sociedade,
nas fantasias das quarteladas anticomunistas e em toda sorte de
reforço ao status quo dominante.
Conclui-se, por consequência, que a
atual crise da democracia resulta de um ataque total desferido pelas
forças de direita e extrema direita ao conjunto das conquistas
obtidas pelo campo popular, socialista e democrático no curso de
décadas de luta por direitos políticos, civis, econômicos e
sociais. Por essa mesma razão, trata-se também, de uma crise
civilizatória cuja faceta mais grotesca e assustadora é o retorno
destemido à cena política de movimentos e plataformas claramente
reacionários, totalitários e anti-humanistas como o nazismo, o
fascismo e o nacionalismo cristão.
Assim, na contemporaneidade, falar em
democracia numa perspectiva popular e progressista significa colocar
em pauta um conjunto de ações complementares e articuladas que,
apontando em sentido contrário ao retrocesso, sejam capazes de
alcançar toda a magnitude da crise. Isso significa, em primeiro
lugar, a distribuição mais equânime e justa da riqueza socialmente
produzida, a começar pelo acesso aos bens e serviços públicos; a
adoção de medidas políticas e administrativas para descentralizar
o controle sobre os mecanismos legais que normatizam o
compartilhamento dos recursos coletivos, entre eles, principalmente,
o Orçamento Público. Além disso, trata-se de ampliar a
democratização do Estado e da própria sociedade, via a criação
de um ambiente civil favorável ao encontro, à convivência entre os
diferentes e à livre expressão de preferências como via de
fortalecimento de valores republicanos e humanistas. Finalmente, mas
não menos importante, trata-se de promover formas sistemáticas de
prestação de contas e transparência que tanto tornem as instâncias
de decisão cada vez mais responsivas e passivas de controle externo
quanto ajudem no combate aos mecanismos ilegais e extralegais de
apropriação privada da riqueza social.
Fundamental para a democracia, a
transparência é mais que uma vacina contra a corrupção. É o meio
para a produção do comum e de acordos de corresponsabilidade
indispensáveis a uma governança sustentável. “A presença de
outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garantem-nos a
realidade do mundo e de nós mesmos”(2), escreveu a filósofa
Hannah Arendt. Ideia reforçada por Norberto Bobbio quando afirma que
a democracia é o governo do poder público exercício em público,
ou seja, nem no privado e nem secretamente(3).
Um aspecto crucial deste debate é o modo
como as diretrizes gerais que orientam a resistência ao retrocesso
são traduzidas para o âmbito municipal. Isso porque é no nível
local que a população experimenta, dia a dia, os efeitos das
tensões que envolvem a luta política em escala global. O município
é, neste sentido, o locus incontornável da luta contra-hegemônica
em defesa de direitos e, em especial, pelo amplo amplo direito ao
gozo de um espaço urbano em condições de acolher as pessoas e suas
necessidades.
Em Contagem, sob a liderança da prefeita
petista Marília Campos, o governo municipal aceitou este desafio e
já na campanha eleitoral de 2020, a candidata do PT afirmava que a
solução para a crise da democracia seria “mais democracia” e
previa uma gestão mais próxima à vida dos moradores; de maior
corresponsabilidade entre o Executivo e a sociedade civil na gestão
da coisa pública; com fortes investimentos em políticas de
transparência e prestação de contas e ampla oferta de espaços
formais e informais de participação social, com o consequente
aumento das chances de influência popular sobre os espaços de
decisão.
De fato, nestes dois primeiros anos, o
governo tem se apresentado como um agente decisivo na promoção de
um ambiente democrático no município por meio de uma diversidade de
ações que podem ser agrupadas em torno dos seguintes eixos
estratégicos:
PRESENÇA: A PREFEITURA MAIS PRÓXIMA DOS
MORADORES — Esta é principal via de combate à sensação de
abandono que, comumente, os moradores e moradoras alegam ao avaliarem
os governos, a política e os políticos. Na atual administração
municipal, o Executivo Municipal é uma presença visível e mais
facilmente acessível para a população por três caminhos
distintos: a) via a distribuição mais equânime dos investimentos,
obras e serviços para todas as regiões, sem exclusões ou
privilégios. A prefeitura projeta um total de 1,2 bilhão em
intervenções até 2024 em toda a cidade e praticamente todas as
áreas mobilidade urbana, educação, saúde, áreas de risco,
regularização fundiária, etc. Parte desse pacote de investimentos
é decidido pela própria população, via os conselhos territoriais.
Para o período 2023/2024, a Prefeitura executará 75 obras
escolhidas por esses conselhos com um custo estimado em R$15 milhões.
b) pelo fortalecimento das Administrações Regionais,
descentralização do atendimento e ampliação da cartela de
serviços oferecidos em cada território. Registros da Secretaria
Municipal de governam estimam mais de 60 atendimentos presenciais nas
oito regionais em 2022. Os atendimentos de pequenas intervenções,
como tapa buraco, drenagem e outros, somam mais de 37 mil chamados;
c) a manutenção de uma forte agenda de visita aos equipamentos
públicos e obras, e de encontros com os moradores para apresentação
de projetos ou prestação de contas, com destaque para a intensa
agenda da própria prefeita;
AMPLA OFERTA DE CANAIS DE PARTICIPAÇÃO
— Os exemplos vão desde o “Pacto pela vida”, convocado pelo
governo no enfrentamento à Pandemia da COVID-19, e que envolveu a
Câmara dos Vereadores, denominações religiosas, segmentos
empresariais e a população de conjunto, até a reativação de
conselhos municipais de políticas públicas que estavam inativos e
criação de novos; a realização das conferências municipais de
políticas públicas; as plenárias pra discussão do novo plano
diretor; a criação dos Conselhos Regionais, eleição de seus
conselheiros e estruturação do Sistema Municipal de Participação
Popular de Contagem – SMPPC; a formação de comissões para
acompanhamento e fiscalização de obras, as comissões de Praças,
dentre outras iniciativas. Finalmente, é necessário destacar o
desenvolvimento da plataforma digital DECIDE CONTAGEM, em parceria
com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), na qual o cidadão pode se
informar, opinar e votar. São dois os principais ganhos da ampliação
e do fortalecimento dos espaços de participação. O primeiro, é
permitir que setores social, econômica e politicamente excluídos
possam vocalizar suas preferências, subsidiando a adoção de
políticas redistributivas. O segundo, diretamente relacionado ao
primeiro, é a superação do clientelismo como lógica de ação do
Estado e a adoção de praticas mais universais se repartição dos
recursos públicos. Nos dois casos, temos um reforço do chamado
“capital social” e um chamado à requalificação do “poder
local”, normalmente tomado pela cultura da clientela e da troca de
favores.
DIALOGO E PARCERIAS — Nos últimos dois
anos, o governo municipal captou cerca de R$ 94.618.231,83 em emendas
de deputados federais e estaduais para investimentos em Contagem. Ao
mesmo tempo, as contrapartidas e medidas mitigadoras de empresas na
cidade, somam mais de 53 milhões de reais e incluem o financiamento
de reformas e manutenção de praças; escolas; unidades de saúde;
equipamentos culturais e outros. Estes são alguns resultados da
política de busca de parcerias e de corresponsabilização na gestão
do município adotada pelo governo Marília Campos. Nesta
perspectiva, são mantidos canais permanentes de diálogo abertos com
os vereadores, empresários, segmentos religiosos, comunidades,
representações sindicais dos servidores públicos, deputados
federais e estaduais, etc. Além dos exemplos citados, os bons frutos
desta aposta no diálogo podem ser observados na aprovação de 81
dos 85 projetos de lei enviados pelo Executivo à Câmara no biênio;
nos acordos salariais negociados com o funcionalismo via a Comissão
Permanente de Negociação Coletiva – COPENC e que levaram à
elaboração de 17 projetos de lei que tratam das condições de
trabalho dos servidores, dentre outras realizações.
INCLUSÃO DIGITAL — Para a
administração pública, os investimentos em Tecnologia da
Informação (TI) somente fazem sentido se impulsionarem os processos
de mobilidade social via a redução da exclusão digital. Esta
questão vem sendo enfrentada pelo governo municipal que tem
fomentado o debate e a mobilização popular sobre as diretrizes e os
principais investimentos em TI na cidade via o portal
http://consultapublica.contagem.mg.gov.br. Por meio desta ferramenta
a sociedade e as empresas pode participar da construção do projeto
de modernização e desburocratização da administração municipal,
que está em pleno andamento. O Programa de Investimentos em
Modernização da Tecnologia da Informação (TI) de Contagem,
baseado no Plano Diretor de TI, está orçado em cerca de 150 milhões
de reais. Além da desburocratização de serviços e processos
internos em todas as áreas, a grande meta e ampliar a inclusão
digital aumentando o acesso público à internet e da rede Wi-Fi da
cidade, por meio da implantação de internet de qualidade em praças
e todas as escolas públicas municipais, facilitando o acesso a
serviços digitais por meio de aplicativos e sites e reduzindo a
necessidade das pessoas irem aos lugares para resolver questões.
APOSTA NA URBANIDADE — O governo tem
investido na criação de um ambiente favorável à convivência
pacifica, afetiva e solidária entre as pessoas em público. Isto
explica os fortes investimentos na oferta de oportunidades para
encontros com diversas finalidades. Além das reuniões, temos também
projetos como a ginástica na praça, shows, festas, as corridas e
outros eventos culturais que levam a um estado de permanente ocupação
dos espaços públicos e permitem que indivíduos e grupos de
indivíduos interajam e aprendam a lidar com suas diferenças de
gostos, hábitos etc. A premissa é que um ambiente urbano dinâmico,
efervescente e convidativo à distensão, ao relaxamento, à diversão
e ao prazer é também mais favorável às mudanças e inovações à
medida que produz confiança e reciprocidade. Neste sentido, é a
urbanidade seria um potente fator de fomento à cidadania e de
“otimização” do capital social.
POLITICAS DE COMUNICAÇÃO E
TRANSPARÊNCIA — Na esfera governamental, a comunicação deve ser
vista como um meio facilitador das relações entre o governo e seus
diversos públicos. É, neste sentido, uma política voltada para a
construção da cidadania que tanto informa os atos do governo quanto
oferece ao cidadão a oportunidade de monitorar, avaliar e demandar.
Ou seja, o cidadão e a cidadã não apenas recebem informações –
eles também são ouvidos. A política de comunicação mantida pelo
governo municipal inclui diversos produtos para a difusão de
informações, adequados à realidade local (tais como jornal
impresso, faixas, prospectos e carros de som) além de ferramentas
cono o Portal da Transparência, a Ouvidoria Municipal com seus seus
vários canais de comunicação com o usuário (e-mail, WhatsApp,
telefone, o canal E-OUV e o E-SIC) e o Diário Oficial do Município.
Como parte desta mesma politica, o governo aderiu a organismos
internacionais de cooperação para a agenda de governo aberto,
transparência e participação popular. São eles: Comunidade
internacional para dados abertos (OGP); Rede DECIDIM (Barcelona,
Oeiras) e Observatório Internacional da Democracia Participativa
(OIDP);
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é viável, nos limites deste
artigo, fazer um balanço pormenorizado e exaustivo das realizações
do governo Marília Campos no campo da defesa da democracia no
município de Contagem. O objetivo aqui foi, tão somente, transmitir
um quadro geral e apresentar alguns parâmetros teóricos capazes de
fundamentar as praticas de nosso governo como respostas possíveis e
viáveis à crise da democracia entendida como resultado de uma
tensionante disputa pelo controle da riqueza socialmente produzida.
Neste sentido, as políticas desenvolvidas pelo governo municipal
além de corresponderem à luta para assegurar ao cidadão e à
cidadã o direito à cidade, e o direito a participar da decisão
sobre “qual cidade queremos?”, também estão inseridas num
contexto mais amplo, de resistência aos retrocessos tentados pela
direita ultraconservadora e reacionária. Nesse sentido, essas
políticas, ainda que restritas ao âmbito local, fazem do Executivo
Municipal uma referência de “governo de luta e de mobilização”.
NOTAS
(1) Ver: Orçamento 2017 prova: teto dos
gastos achata despesas sociais e beneficia sistema financeiro. INESC.
Disponível em
https://www.inesc.org.br/orcamento-2017-prova-teto-dos-gastos-achata-despesas-sociais-e-beneficia-sistema-financeiro-3/?cn-reloaded=1
(2) ARENDT, Hannah. A condição humana.
Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2007.
(3) BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia (uma defesa das regras do jogo). Trad. Marco Aurélio
Nogueira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 171 p.
Governo Marília a um passo da
unanimidade
Três em cada quatro moradores de
Contagem aprovam a atual gestão da prefeita Marília Campos aqui, em
Contagem. É o que mostra a pesquisa DataTempo divulgada no último
dia 02 de outubro, primeira deste instituto a sondar os possíveis
cenários da eleição municipal prevista para ano que vem. Conforme
o levantamento, 73,8% dos entrevistados aprovam o governo da petista,
ao passo que 23,5% desaprovam e apenas 2,8% não sabem ou não
responderam(1). Acesse aqui a integra da pesquisa.
Este resultado não é para qualquer um.
Numa lista de 10 capitais pesquisadas pelo Instituto Paraná entre
março e junho deste ano, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União
Brasil), aparece como o melhor avaliado do país, com 68% de
aprovação(2). Na mesma lista, nosso vizinho, Fuad Noman (PSD),
prefeito de Belo Horizonte, é o sexto na fila dos bem avaliados, com
57,1% de opiniões favoráveis — taxa que cai para 56,8%, 17 pontos
percentuais abaixo da aprovação de Marília, em sondagem divulgada
há algumas semanas, também pelo DataTempo (3).
Em Contagem, a prefeita supera,
inclusive, o presidente Lula e o governador Romeu Zema (Novo) que
registram, respectivamente, 52,8% e 63,4% de aprovação.
Outro aspecto importante evidenciado por
esta pesquisa é que a aprovação de nossa prefeita não tem
desequilíbrios importantes entre os diferentes segmentos da
população analisados pelo instituto. Como exemplos, temos que a
aprovação da prefeita chega a 73,2% entre as mulheres e a 74,4%
entre os homens. No recorte por faixa etária, entre as pessoas com
60 anos ou mais, a aprovação de Marília é de 78% – índice
praticamente igual ao observado entre os mais jovens (de 16 a 24
anos): 77,4%. No critério de faixa de renda, a avaliação positiva
também é muito semelhante entre os grupos: fica em 73,8% entre os
mais pobres (até 2 Salários Mínimos) e em 73,6% entre os mais
abonados (renda acima de 5 SM).
No caso da aferição conforme a
escolaridade, a aprovação de Marília entre os menos escolarizados
(até o ensino fundamental) é de 76,1%, caindo um pouco (vai para
73,4%) entre os que declaram possuir curso superior, completo ou
incompleto. Finalmente, no recorte por religião, a avaliação
positiva do governo Marília chega a 77,6% entre os católicos e a
70,6% entre os evangélicos, grupamento mais receptivo à narrativa
conservadora de direita em torno das chamadas “questões morais”.
A aprovação de Marília nas regionais
pode ser vista na tabela abaixo:
Como se vê, os percentuais são muito
homogêneos e, na atualidade, não há um segmento que desequilibre a
balança seja por amar demais a prefeita, seja por rejeitá-la
vigorosamente. Os números demonstram a consolidação de uma opinião
favorável muito disseminada entre os moradores na cidade. Os que a
desaprovam são, cada vez mais, uma minoria ideológica que se move
por razões de consciência e convicção, e que não mudarão de
opinião, não importa o que governo faça.
As lições de estatística recomendam
que não se dê aos resultados por segmentos a mesma credibilidade
que se dá aos valores relativos ao conjunto da amostra. Isso porque
nos cruzamentos por recortes da população, a apuração se dá
sobre uma amostragem menor, correspondente ao segmento a ser
observado e essa redução impacta negativamente a margem de erro,
aumentando-a. Em alguns casos, esse acréscimo pode ser de vários
pontos percentuais, como ocorre no recorte por territórios, onde
chega a mais de 10 pontos.
Ainda assim, essa estratificação pode
nos dar algumas pistas importantes. Uma delas, que salta aos olhos, é
que na maioria dos casos observados, a aprovação de Marília está
bem alinhada com a média geral de 73,8%. Isso ocorre inclusive entre
os evangélicos, onde a aprovação é de 70,6%, apenas três pontos
abaixo da média e ligeiramente fora da margem de erro.
Entre as discrepâncias, destaco a
regional Ressaca, onde a aprovação é positiva, mas sensivelmente
abaixo da média (66,7%). A Ressaca, entretanto, é um reduto
eleitoral onde historicamente somos minoritários e onde, por razões,
compreensíveis, os moradores olham para nossa administração com um
olhar mais severo. Nessa realidade, ter alcançado uma avaliação
positiva num percentual acima de 65% naquela região, é uma vitória
que deve ser efusivamente comemorada.
Por outro lado, na regional Nacional,
outro reduto onde fomos minoritários em eleições passadas, a
aprovação da prefeita chega a 79,3% – seis pontos percentuais
acima da media e bem acima da margem de erro.
Estas constatações são importantes
para ajudar a afastar certos temores – resilientes, apesar das
reiteradas demonstrações de que são infundados.
Um deles é o de que uma eventual
candidatura de Marília à reeleição esteja ameaçada por um
eleitorado “ideologicamente de direita” representado,
especialmente, pelos evangélicos.
Este argumento encontrou reforço na
bateria de perguntas da pesquisa DataTempo em questão, sobre o
perfil ideológico dos entrevistados(4). De acordo com o instituto,
33,8% dos respondentes em Contagem se definem como politicamente mais
alinhados com a direita: seriam 4,4% de centro-direita, 24,2% de
direita e 5,2% de extrema direita. Em contrapartida, apenas 19,7% se
classificam como de esquerda: 3,4% seriam de centro-esquerda, 14,8%
de esquerda e 1,5% de extrema esquerda. Teríamos ainda 10,7% de
eleitores do centro político, e 35,8% não responderam ou não
souberam como se posicionar sobre este quesito.
Em primeiro lugar, é necessário dizer
que considero aferições deste tipo uma inutilidade e até um
desserviço pois não ajudam a compreender a consciência política
das pessoas comuns. Quando me refiro às pessoas comuns, penso
naquelas que, diferente de mim, não possuem convicções partidárias
e ideológicas assentadas e que são a maioria da população. Essas
pessoas, no seu dia a dia, não consideram a si próprias a partir
desse parâmetro; com frequência apoiam, simultaneamente, tanto
proposições de esquerda quanto de direta, ou de centro e, ademais,
avaliam o Poder Público com base em critérios pragmáticos
relativos à existência, facilidade de acesso e qualidade dos
serviços.
Nesse sentido, repetidos levantamentos
têm demonstrado que o povo brasileiro se inclina para um perfil mais
conservador, em especial, nas chamadas pautas de costumes ou morais.
Nos casos, por exemplo, da legalização do aborto (5) e da
descriminalização do uso das drogas (6), a maioria tende a votar
contra. Ainda assim, esses mesmos levantamentos registram que a
maioria é a favor das políticas de cotas para negros nas
universidades(7), do casamento entre pessoas do mesmo sexo (8), são
contra a privatização das estatais (8) e, principalmente, apoiam
decididamente a ação no Estado no combate à pobreza e na redução
das desigualdades sociais (10) – bandeiras mais caracteristicamente
de esquerda.
Outro elemento importante a ser
considerado é que a adesão das pessoas a um determinado espectro
temático acompanha as flutuações da vida real. A autodeclaração
“de direita” viveu um boom durante o governo Bolsonaro e ainda se
mantém elevada tanto porque se trata de um fenômeno recente, quanto
em razão do esforço deliberado e visível na mídia tradicional e
nas redes sociais, para mater o bolsonarismo como uma força
competitiva nas próximas eleições.
Para se ter ideia, em 2018, só 9% dos
brasileiros se declaravam totalmente de direita, de acordo com a
pesquisa de opinião pública “A Cara da Democracia”, realizada
pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT). Esse número dobrou no ano
seguinte e, em setembro do ano passado, alcançou 24%, no maior
patamar em cinco anos. Mas, na edição mais recente da pesquisa, que
foi a campo em agosto último, com Bolsonaro já inelegível e o
governo Lula apresentando bons resultados, este índice recuou para
22% – uma queda de dois pontos percentuais e ainda dentro da margem
de erro, mas, que pode vir a sinalizar para um refluxo da maré. Tudo
vai depender dos resultados eleitorais que este campo vier a
alcançar(11).
Assim, na atualidade, a definição do
que é ser de direita ou de esquerda tornou-se um exercício muito
complexo e o simplismo de aferições como esta, do DataTempo, não
ajuda a esclarecer.
Finalmente, uma questão: se apenas 19,7%
dos entrevistados se classificam como de esquerda em Contagem, como
se explica que 32,2% declarem preferência pelo PT no município?
Ou seja, qualquer debate baseado nesses
números é mera perda de tempo. Eles não justificam o temor de uma
revanche do campo conservador que viria “com tudo” ano que vem
para superar a pequena margem de votos que Marília obteve na eleição
passada.
Que eles “virão com tudo”, disso não
temos a menor dúvida. Entretanto, o que a realidade mostra e a
pesquisa do DataTempo corrobora, é que este campo tende a permanecer
minoritário e que as chances de virarem a mesa são pequenas.
Que diz a pesquisa?(12)
1) Numa lista de possíveis candidatos na
qual entram 3 ex-prefeitos da cidade, Marília tem 51,9% das
preferências, percentual que equivale a 62,5% dos votos válidos
(13);
2) Quando a lista é reduzida ao
confronto com apenas dois dos candidatos mais viáveis da extrema
direita, Felipe Saliba e Junio Amaral, as declarações de voto em
Marília saltam desses 51,9% para 64,1%, ou 79,62% dos votos válidos
– percentual superior aos 73% que aprovam sua gestão!
3) 52% dos entrevistados afirmam que, com
certeza, votarão em Marília se ela for candidata. Já 20% dizem que
podem votar e 24,9% juram que não votam nela de jeito nenhum. O
segundo candidato mais competitivo, Ademir Lucas, tem um eleitorado
cativo de 15,6%, uns 20% de “quem sabe, pode ser” e uma rejeição
de 49,2%. Dois outros ex-prefeitos, Carlim Moura e Alexis de Freitas,
também aparecem com rejeições desencorajadoras (respectivamente,
59% e 63%).
Rezam as boas cartilhas de ciência
política e sociologia eleitoral que gestores precisam ser bem
avaliados pela população para serem eleitoralmente competitivos. O
balanço dos resultados das eleições no Brasil, nos estados e nos
municípios demonstra que se trata de uma tese pertinente. Como
regra, governos bem avaliados conseguem se eleger e/ou elegerem um
sucessor.
Assim sendo, sem correr no erro de
subestimar a oposição. o que a pesquisa DataTempo nos diz é que a
atual prefeita, a petista Marília Campos, é uma forte candidata à
reeleição ainda no primeiro turno da eleição do ano que vem –
especialmente se seus principais adversários forem representantes da
suposta “maioria” contagense de direita. É sem dúvida que a
alta aprovação popular do governo Marília torna a Marília,
eventual candidata à reeleição, uma líder “natural” da
corrida eleitoral.
Esta conclusão, entretanto, é demasiado
simplista e obvia para nos contentarmos com ela.
A disputa – que já está em andamento
na cidade – não diz respeito à alternância de poder, natural e
até desejável nas democracias. Longe disso, trata-se de um embate
entre concepções de mundo e de cidade irreconciliáveis já que
opõe, de um lado, um programa desenvolvimentista, inclusivo e
fundamentado na ideia de um futuro comum e bom para todos e, de
outro, um projeto de cidade para quem pode pagar.
É mais que sintomático, neste sentido,
que uma das principais campanhas movidas pela extrema direita desde o
início do atual governo tenha sido contra os eventos em praça
pública que promovemos. Shows como os de Alceu Valença, Elba
Ramalho, Zé Ramalho, Frejat, Aline Barros, Hungria e Djonga, para
ficarmos numa lista curta, foram frontalmente atacados a pretexto de
estarmos desperdiçando dinheiro com cachês milhardários em
atividades supérfluas, em vez de investirmos em serviços
essenciais, como Saúde e Educação.
Naturalmente, apenas um tolo acreditaria
nessa balela. A experiência mostra que, quando chegam ao governo, o
que esses críticos menos fazem é investir em Saúde ou Educação.
Basta checar a folha de investimentos do governador Romeu Zema.
Esta contraposição entre gastos
supostamente prioritários e gastos supostamente supérfluos em
Contagem, nada mais é que uma tentativa demagógica de mobilizar a
opinião pública a partir do senso comum e de preconceitos. Na vida
real, como todos sabem, qualquer governo deve investir tanto em Saúde
quanto em Educação, bem como em Esporte, Cultura e Lazer. São
áreas que se complementam e se reforçam e são obrigações
constitucionais.
O problema é que nossas elites
privilegiadas, que nem por intervenção divina conseguem superar a
mentalidade dos tempos de “Casa Grande e Senzala”, consideram
insuportável a ideia de que um governo possa oferecer diversão
gratuita para o povo – a menos, é claro, que se trate de uma
jogada eleitoral. “Pão e circo”, como desdenharam nas redes
sociais.
Nasce dai toda a visceral antipatia de
determinados setores ao governo Marília. Sem beija mão, sem
salamaleques, sem reconhecer privilégios ou conceder deferências, o
governo Marília gasta sim, e gasta muito, com os pobres e com os
que, em outras circunstâncias, estariam condenados ao azar. Busca,
na destinação deste gasto, oferecer do bom e do melhor, desde o
fundamental e indispensável, até o supérfluo, com a convicção de
que “a gente não quer só comida”.
Este projeto vem cativando mais e mais
cidadãos e cidadãs e adentra, poderosamente, nos redutos da direita
como vimos nos casos dos evengélicos e das regionais Ressaca e
Nacional. Seu maior risco não é o de, eventualmente, perder a
eleição. É o de se tornar uma unanimidade.
NOTA
(1) O TEMPO, 02/10/2013. DATATEMPO:
Gestão Marília Campos é aprovada por 73,8% dos eleitores de
Contagem.
https://www.otempo.com.br/politica/datatempo-gestao-marilia-campos-e-aprovada-por-73-8-dos-eleitores-de-contagem-1.3244418
(2) CARTALCAPITAL, 07/06/2023. Os índices
de aprovação dos prefeitos das 10 maiores capitais, segundo
pesquisa –
https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/os-indices-de-aprovacao-dos-prefeitos-das-10-maiores-capitais-segundo-pesquisa
(3) O TEMPO, 11/09/2023. DATATEMPO:
maioria da população de BH aprova gestão de Fuad Noman –
https://www.otempo.com.br/politica/datatempo-maioria-da-populacao-de-bh-aprova-gestao-de-fuad-noman-1.3230129
(4) JORNAL O TEMPO, 05/20/2023.
DATATEMPO: Maior parte em Contagem diz ser eleitor do campo da
direita –
https://www.otempo.com.br/politica/datatempo-maior-parte-em-contagem-diz-ser-eleitor-do-campo-da-direita-1.3247234
(5) O GLOBO, 13/09/2022. Ipec: 70% dos
brasileiros dizem ser contra a legalização do aborto.
https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/09/13/ipec-70percent-dos-brasileiros-dizem-ser-contra-a-legalizacao-do-aborto.ghtml
(6) PODER 360, 23/09/2023. 72% são
contra o uso recreativo da maconha, diz Datafolha.
https://www.poder360.com.br/pesquisas/72-sao-contra-o-uso-recreativo-da-maconha-diz-datafolha
(7) FOLHA DE SÃO PAULO, 12/06/2022.
Metade é a favor de cotas raciais em universidades; 34% são contra,
diz Datafolha.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/06/maioria-e-a-favor-de-cotas-raciais-em-universidades-34-sao-contra-diz-datafolha.shtml
(8) PODER 360, 12/06/2023. Maioria é a
favor do casamento homoafetivo no Brasil, diz pesquisa.
https://www.poder360.com.br/pesquisas/maioria-e-a-favor-do-casamento-homoafetivo-no-brasil-diz-pesquisa/
(9) PODER 360, 09/04/023. 45% dos
brasileiros são contra privatizações, diz Datafolha.
https://www.poder360.com.br/pesquisas/38-dos-brasileiros-sao-a-favor-de-privatizacoes-diz-datafolha
(10) CAVALCANTI, Pedro. A questão da
desigualdade no Brasil:como estamos, como a população pensa e o que
precamos fazer. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
Texto para discussãom 2593.Brasília, setembro de 2020, Disponível
em
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10263/1/td_2593.pdf
(11) O GLOBO, 12/09/2023. Duas vezes mais
brasileiros se dizem de direita do que de esquerda, indica pesquisa;
confira os números.
https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2023/09/duas-vezes-mais-brasileiros-se-dizem-de-direita-do-que-de-esquerda-indica-pesquisa-confira-os-numeros.ghtml
(12) JORNAL O TEMPO, 02/10/2023.
DATATEMPO: Marília Campos lidera com folga disputa pela Prefeitura
de Contagem –
https://www.otempo.com.br/politica/datatempo-marilia-campos-lidera-com-folga-disputa-pela-prefeitura-de-contagem-1.3244370
(13) Desconsiderando os entrevistados que
afirmam não ter preferência ou não responderam e que equivaleriam
ao que votam nulo ou em branco.
A construção da transparência na
defesa da democracia
Ao tratar da questão democrática em
Contagem, tenho dado ênfase à dimensão da participação popular,
nas muitas formas em que ocorre no munício. Isto porque este é o
melhor caminho para permitir que setores social, econômica e
politicamente excluídos possam vocalizar suas preferências e
subsidiar a adoção de políticas redistributivas. Por acréscimo,
ao favorecer a adoção de praticas mais universais se repartição
dos recursos públicos, a participação popular também é uma via
para a superação do clientelismo como lógica de ação do Estado
e, neste sentido, agrega um plus de legitimidade à atuação
governamental além de reforçar o chamado “capital social” e
operar para a requalificação do “poder local”, normalmente
tomado pela cultura da clientela.
Neste artigo, quero chamar a atenção
para outra variável essencial para a vitalidade e qualidade da
democracia: a transparência.
Embora a preocupação com a publicidade
dos atos do Estado seja uma um tema antigo, sempre associado à
resistência contra o abuso do poder (Bentham), o termo
“transparência” ao que parece, só passou a ser utilizado em
sentido político-econômico mais recentemente, no curso dos debates
sobres as condições para a estabilidade dos regimes democráticos
na nova ordem mundial globalizada. Neste caso, a questão envolve a
pluralidade de atores que passaram a interferir na arena política
oferecendo soluções em políticas públicas em processos decisórios
cuja coordenação cabe ao Estado.
No curso destes debates, ficou consagrada
a tese segundo a qual políticas de transparência seriam vantajosas
para a democracia em, pelo menos, dois sentidos básicos: a)
primeiro, como meio de inibição da corrupção; b) como condição
dos processos de accountability e incentivo à boa gestão;
Transparência e combate à corrupção —
A corrupção é um fenômeno social e histórico. Como tal, pode ser
observada nas diversas esferas de atividades humanas e tanto na área
pública quanto na esfera privada. Para os fins deste artigo,
naturalmente, considero a corrupção na vida pública, observável
em manifestações sistêmicas nos fóruns institucionais, ou seja,
entre agentes públicos eleitos e entre a burocracia estatal nas
relações que estabelecem com o setor privado tendo em vista a
obtenção de benefícios particulares (propinas, cargos, informações
privilegiadas, etc) por meios ilegítimos e/ou ilegais (1).
Neste sentido, a corrupção é uma
ameaça à harmonia social à medida que funciona como um fator de
reprodução das desigualdades e da concentração de renda,
alimentando ressentimentos e desgastando a legitimidade do Estado.
Políticas de transparência, neste caso, são vitais tanto para
identificar os criminosos quanto para dissuadir os servidores
públicos de cederem às tentações da prática criminosa. O
pressuposto é que a certeza da alta visibilidade de suas ações
levaria os agentes públicos a adotarem atitudes condizentes com
aquilo que se espera de uma administração proba e republicana.
Transparência e accountability — O
termo inglês “accountability”, amplamente incorporado à
literatura acadêmica nacional, se refere, em linhas gerais, à
obrigação de indivíduos e organizações responderem por suas
ações. De fato, a democracia não é imaginável sem que se possa
responsabilizar aqueles que possuem atribuições na administração
pública e sem que estes, ao mesmo tempo, não se disponham a uma
prestação de contas regular e sistemática de suas ações e
ganhos.
Transparência e boa governança —
Finalmente, a literatura política mas recente tem pautado o
desempenho do governo no exercício de suas funções como um dos
favores decisivos na solução dos desafios sociais e econômicos
enfrentados pelas sociedades. Naturalmente, o sucesso de um governo
depende de uma série de fatores — nem todos sob a governabilidade
dos mandatários. Como exemplos, temos a existência ou não de
recursos suficientes para fazer frente as demandas internas
existentes; o grau de qualificação do plantel de servidores; o
nível de antagonismo da oposição, as condições conjunturais
internacionais, entre várias outras interveniências. Não obstante,
liminarmente, concorda-se que a ideia do bom governo depende,
essencialmente, da disposição dos governantes para implementar uma
administração honesta, imparcial e impessoal – noutras palavras,
uma administração para todos, sem distinções ou preferências. A
transparência, nesse caso, permite que os todos os setores sociais
possam monitorar, em tempo integral, as ações do governo, checar se
os princípios da boa administração são respeitados, se os acordos
são cumpridos e, em caso contrário, protestarem. Assim, claramente,
contribuem para o fortalecimento dos mecanismos de accountability e
responsabilização dos tomadores de decisões.
No resumo, políticas de transparência
são vantajosas para a democracia à medida que ajudam na prevenção
à corrupção e, portanto, são fundamentais para qualquer projeto
de republicano; estimulam a perspectiva da universalização dos
serviços públicos e, neste sentido, são decisivas no combate a
privilégios; são indispensáveis para que os cidadãos se mantenham
informados sobre as ações governamentais e possam, eventualmente,
contestar decisões e, finalmente, favorecem o aumento da eficiência
na definição e execução da despesa pública.
Nesta perspectiva — e reiterando o
propósito do artigo — podemos dizer que há uma clara
indissociabilidade entre democracia e transparência, tanto quanto há
um claro conflito entre democracia e o segredo. Não é sem razão
que Norberto Bobbio define a democracia como o governo do poder
público exercício em público, ou seja, nem de forma privada e nem
secreta. “O segredo não é compatível com as liberdades e
direitos do homem”, sentencia Bobbio.
Esta abordagem, todavia, me parece
limitada. Salta aos olhos que ela contempla o sentido
político-econômico da experiência democrática. Mas, não vai além
disso e, por consequência, não calibra uma visão inovadora de
mundo.
Indo além…
Ao refletir sobre a legitimidade do poder
e os fundamentos de autoridade das instituições políticas, Hanna
Arendt nos inicia num interessante debate sobre o conceito de
realidade. O que é, afinal de contas, o real? Em “A condição
humana”, a filósofa sugere que, no mundo dos negócios humanos, a
definição, a existência e continuidade do real depende, em
primeiro lugar, da presença de testemunhas, ou seja, de outros que
compartilham do que foi visto e ouvido e que, posteriormente, haverão
de se lembrar dos eventos narrados. Neste sentido, na esfera
politica, aquilo que entendemos como realidade requer a dimensão da
visibilidade, vale dizer, da publicidade, ou ainda, deve ser público.
Público significa “tudo que pode ser visto e ouvido por todos e
tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência –
aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos –
constitui a realidade”.
A questão da transparência deve ser
vista nesta perspectiva e é muito mais que uma vacina contra a
corrupção ou contra a roubalheira dos cofres públicos, como
pretende o moralismo udenista – muito embora não deixe de ser,
também, a melhor maneira de solucionar o desacordo entre a moral e a
política. “A presença de outros que veem o que vemos e ouvem o
que ouvimos garantem-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”,
escreve Hanna na página seguinte, deixando ainda mais explicita a
dimensão mais radical do problema. Só é possível a construção
do comum por meio de experiências tangíveis, que possam ser vistas
e ouvidas e comunicáveis pelo maior número de pessoas.
Desde esta angulação do problema, fica
claro que, na atualidade enfrentamos desafios gigantescos para
comungarmos da mesma percepção da realidade.
O primeiro deles, com enorme incidência
sobre as arenas políticas, diz respeito à existência de grupos
ideológicos fechados que apenas consomem informações que confirmem
o ponto de vista que professam previamente. São minoritários, é
certo, mas, ainda assim, precisam ser levados em conta na elaboração
das políticas de comunicação e transparência, especialmente
aquelas que visam a explicação e o esclarecimento de questões.
Aliás, estas têm sido cada vez mais demandadas.
Um segundo desafio é a própria
opacidade das sociedades modernas. Sabemos que a realidade, tal como
os aparece ante nossos olhos, é uma construção histórico-social
que não é, nem tem como ser, transparente aos olhos do observador
comum devido à sua complexidade.
Identificar o intrincado jogo de
interesses entre a esfera pública e privada; os múltiplos
encadeamentos entre sociedade e o Estado; as tenazes que ligam o
presente ao passado e este ao futuro; a objetividade das contradições
entre as classes em conflito latente; as interconexões causais entre
fenômenos sociais de escala planetária, dentre vários outros
fatores de ocultamento dos motivos pelos quais a vida é do jeito que
é, real e incontornável, é tarefas que requer disponibilidade de
tempo e de espírito, além de ferramentas de prospecção e análise
que estão fora do alcance das pessoas comuns. Este fato explica a
proeminência que os chamados “formadores de opinião” têm
adquirido.
Finalmente, é necessário reconhecer
que, embora seja de vital importância, a mera adoção de políticas
de transparência não resolve a questão da construção de uma
interpretação comum entre os beneficiários das ações
governamentais. Por uma série de razões (entre elas, a opacidade do
real citada logo acima) os indivíduos não processam as informações
da mesma maneira e a compreensão dos fatos é afetada por variáveis
como o nível de escolaridade, o envolvimento pessoal no tema, a
facilidade de manipulação dos meios comunicativos e outros fatores
de inibição. Assim, se não considerar a variedade do público,
fornecendo dados e informações em linguagens e formatos variados,
as políticas de transparência correm o risco de se tornarem
ineficientes. Por essa razão, a chamada “inferabilidade”, ou
seja, a capacidade de inferir conclusões a partir dos dados, vem
ocupando cada vez mais espaço nos debates sobre a transparência.
Os desafios são imensos, como se vê.
Serão, todavia, enfrentados e resolvidos com base em duas convicções
primordiais:
A) Governos democráticos, inclusivos e
emancipadores têm um compromisso primordial com a visibilidade, isto
é, tem o compromisso de facilitar o acesso aos dados e informações
relacionados com gestão pública — seja via sua publicação na
internet e em outros meios de comunicação, nos termos da chamada
“transparência ativa”, seja fornecendo-as em tempo hábil e
satisfatório quando solicitadas, dentro a chamada “transparência
passiva”.
B) Qualquer projeto emancipado almeja
conseguir que pessoas comuns sejam capazes de compreender a vida tal
como ela é, como é produzida, quais são os fatores que levam à
sua reprodução permanente e sistemática e, enfim, entendam como
introduzir elementos de subversão das dinâmicas postas que possam
iniciar processos fecundos de inovação e mudança. Podemos chamar
esta utopia de “desvelamento absoluto”.
Em Contagem, temos enfrentado esses
desafios e é sem sombra de dúvida que, sob o exemplo e a liderança
da prefeita Marília Campos, temos um governo claramente comprometido
com sua própria visibilidade, com a obrigatoriedade da prestação
de contas e com o fortalecimento dos mecanismos de controle social.
Recomento, neste sentido, o artigo “Mecanismos de prestação de
contas e transparência na Prefeitura de Contagem”, Controladora
Geral do município, Nicolle Breme, neste blog.